Tomás de Aquino

 

            A Filosofia de São Tomás de Aquino (1224-1274) representa uma aproximação entre o cristianismo e o aristotelismo, assim como Santo Agostinho representou uma aproximação com o platonismo.

            A partir do século XIII, o aristotelismo penetrou de forma profunda no pensamento escolástico, marcando-o definitivamente. Isso se deveu à descoberta de muitas obras de Aristóteles, e à tradução para o latim de algumas delas, diretamente do grego. A busca da harmonização entre a fé cristã e a razão manteve-se, no entanto, como problema básico de especulação filosófica. É nesse contexto que surge a figura de São Tomás de Aquino.

De fato, um dos mais importantes propósitos do pensamente (sic) de Tomás de Aquino será justamente demonstrar a compatibilidade entre fé e razão. Nesse sentido, Tomás de Aquino logra demonstrar que há razoabilidade na verdade revelada nos Evangelhos. E ele o faz tomando como suporte especialmente a filosofia de Aristóteles (FERRAZ, 2014, p. 93).

 

            Outros dois fatores fundamentais que nos ajudam a compreender o pensamento de São Tomás se deve ao fato de este ter vivido no período da alta escolástica e são: o surgimento das universidades e a criação das ordens religiosas dos franciscanos e dominicanos. Ora, São Tomás era um frade dominicano profundamente ligado às universidades da época, sobretudo à de Paris.

            No século VIII, Carlos Magno resolveu organizar o ensino por todo o seu império e fundar escolas ligadas às instituições católicas. A cultura greco-romana, guardada nos mosteiros até então, passou a ser divulgada, passando a ter uma influência mais marcante nas reflexões da época. Era a renascença carolíngia e a fundação dessas escolas e das primeiras universidades do século XI fez surgir uma produção filosófico-teológica denominada escolástica.

 

Conciliação entre fé e razão: teologia e filosofia

            Tomás de Aquino é conhecido principalmente por causa dos argumentos conhecidos como as cinco vias: são argumentos em que transparece claramente a relação entre a filosofia e o cristianismo onde Tomás de Aquino procura demonstrar provas da existência de Deus, de racional, portanto, filosófica, da existência de Deus, articulando fé e razão. Tais são as chamadas cinco vias (entre parênteses colocamos, na medida do possível, em que parte da filosofia aristotélica Tomás de Aquino fundamenta seus argumentos):

Disponível em: SlideShare, slide 5. Acesso em jul. 2019

 

  • O argumento do movimento (Aristóteles, Física, VIII): tudo o que se move é movido por algo; desde que não se possa admitir uma regressão ao infinito, deve haver um Primeiro Motor imóvel, Deus;
  • Noção de causa eficiente (Aristóteles, Metafísica, II): tal como no argumento anterior, não é possível admitir uma regressão ao infinito de causas; Deus é a primeira causa eficiente;

Disponível em: SlideShare, slide 7. Acesso em jul. 2019.

  • Argumento cosmológico (noções aristotélicas de necessidade e contingência): constatamos a contingência da natureza, mas nem todas as coisas podem ser contingentes, senão seria possível que não houvesse nada; é preciso que algo do que existe seja necessário; Deus é o primeiro ser, origem de toda necessidade;
  • Os graus existentes das coisas (Aristóteles, Metafísica, II): todas as coisas caracterizam-se por um grau maior ou menor e devem pressupor um parâmetro máximo; Deus é o Ser Perfeito, que tem o máximo de perfeição;
  • Argumento teleológico: noção de finalidade ou causa final, quer dizer, deve haver um propósito ou finalidade na natureza, caso contrário o universo não tenderia para o mesmo fim; a causa inteligente dessa determinação é Deus.

 

Disponível em: Voluntad de Existir. Acesso em jul. 2019.

 

            Essa demonstração da existência de Deus a partir da razão natural constitui um esforço em conciliar o que nos ensinam as Escrituras e a Filosofia. Os argumentos de São Tomás abrem caminho para uma re-valorização da filosofia, sobretudo do aristotelismo.

 

O problema da moral

            Para São Tomás, tudo o que existe é bom, porque é fruto e expressão da bondade suprema e livremente difundida por Deus. Todas as coisas, singularmente e em seu conjunto, são boas, porque de origem Divina. Além dessa bondade divina, é preciso levar em consideração também que o homem é de natureza racional, e é essa concepção de homem que vamos encontrar na base da ética tomista.

            A moral tomista tende a valorizar a razão, no sentido de que a ordem moral depende da necessidade racional da nossa divina essência, isto é, a ordem moral é imanente, essencial, inseparável da natureza humana, que é uma determinada imagem da essência divina, que Deus quis realizar no mundo. Agir moralmente significa agir racionalmente, em harmonia com a natureza racional do homem.

            Segundo Tomás de Aquino, a ética consiste em agir de acordo com a natureza racional, pois a razão é uma espécie de orientadora da lei, que o santo dividiu em: Lei Eterna (lei que governa todo o universo, feita por Deus), Lei Natural (são as leis que a natureza “ensinou” aos homens e animais, como a auto-conservação, a união entre macho e fêmea, que também foi feita por Deus e por isso é subordinada à Lei Eterna) e Lei Temporal (mutável e contingente). Através da razão, o homem deve ser conduzido pela Lei Eterna, pois o objetivo das Leis criadas por Deus é tornar os homens bons (sobre estas leis veremos em detalhes mais abaixo).

            A ética tomista também deve ser trabalhada no âmbito da política. Analisando a natureza humana, resulta que o homem é um animal social (político) e, portanto, forçado a viver em sociedade com os outros homens. A primeira forma da sociedade humana é a família, de que depende a conservação do gênero humano; a segunda forma é o Estado, de que depende o bem comum dos indivíduos. Sendo que apenas o indivíduo tem realidade substancial e transcendente, se compreende como o indivíduo não é um meio para o Estado, mas o Estado um meio para o indivíduo. Segundo Tomás de Aquino, o Estado não tem apenas função negativa (repressiva) e material (econômica), mas também positiva (organizadora) e espiritual (moral). Embora o Estado seja completo em seu gênero, fica, porém, subordinado, em tudo quanto diz respeito à religião e à moral, à Igreja, que tem como escopo o bem eterno das almas, ao passo que o Estado tem apenas como escopo o bem temporal dos indivíduos.

 

Escritos Políticos

            Não existe na obra de Tomás de Aquino um tratado de Filosofia Política. Há um opúsculo incompleto, denominado De Regno, que trata da monarquia e uma exposição, também incompleta, sobre a Política de Aristóteles. Os Escritos Políticos, aqui considerados, na realidade fazem parte da grande obra de Tomás, a Suma Teológica, que, como pondera Souza Neto (apud AQUINO, 1995, p. 8): “na primeira parte da segunda parte, as questões 90 a 97, ditas questões sobre a lei, abordam temas de política de forma concisa mas precisa quanto aos princípios. São elas enriquecidas pela resposta ao artigo primeiro da questão 105 desta mesma divisão da Suma”. E embora a abordagem da lei na Suma é feita sob uma perspectiva teológica, a distinção conceitual de Tomás de Aquino entre os tipos de leis (lex aeterna, lex divinae, lex naturalis, lex humanae) tem reflexos no campo político, como pondera Ferraz (2014, p. 97-98):

a lei eterna é o governo racional de tudo o que há. Tal governo é conduzido por Deus, Soberano do universo. Ela expressa a vontade inescrutável Dele. Ela é um mistério para nós. Resumidamente, ela é a vontade de Deus, inacessível para nós. A lei divina é a palavra de Deus “positivada” nas Sagradas Escrituras. Tanto a lex divinae quanto a lex naturalis são expressões da vontade Dele, da lex aeterna. Mas elas apenas expressam parcialmente essa última. Diferentemente do que ocorre com a lei natural, a qual atingimos pela razão, para que possamos atingir a lei divina faz-se necessária a já referida revelação. E isso envolve graça e fé. A lei natural é a participação na lei eterna pelas criaturas racionais por Ele criadas. É a ordem natural das coisas, da Criação [...] Por fim, a lei humana é a lei dos homens (por exemplo, o código penal, a constituição, etc.). A lei humana, se justa e legítima, está de acordo com a lei natural e com a lei divina (a qual, por sua vez, é expressão da lei eterna).

            A questão das leis é tratada na Suma Teológica e nos Escritos Políticos (AQUINO, 1995, questões 90-97 – ver também a introdução da obra). Temos:

  • Sobre a Essência da Lei (Questão 90);
  • Sobre a Diversidade das Leis (Questão 91):  a Lei Eterna que é a lei divina (artigo I); Lei Natural (artigo II) que é a impressão da lei divina em nós, a participação da lei eterna no homem, na criatura racional; Lei Humana (artigo III) que, diferente a lei eterna, é uma lei temporal;
  • Sobre os atributos da Lei Divina (Questão 91): ela está acima da lei natural e humana, é uma lei revelada por Deus e é necessária (artigo IV); A lei divina se distingue em antiga e nova, não sendo una, mas dupla (artigo V);
  • Dos Efeitos da Lei (Questão 92): Se é efeito da lei fazer os homens bons (artigo I); Se é efeito da lei ordenar, proibir, permitir e punir, ou se os atos da lei foram adequadamente enumerados (artigo II);
  • Da Lei Eterna (Questão 93): O que é a lei eterna, ou se a lei eterna é a razão suprema existente em Deus (artigo I); Se ela é conhecida de todos (artigo II); Se toda lei dela deriva (artigo III); Se o que é necessário e eterno estão sujeitos à lei eterna (artigo IV); Se os contingentes naturais são sujeitos à lei eterna (artigo V); Se todas as coisas humanas são-lhe sujeitas (artigo VI);
  • Da Lei Natural (Questão 94): O que é a lei natural, ou se ela é um hábito (artigo I); Quais são os preceitos da lei natural, se são muitos ou um só (artigo II); Se todos os atos das virtudes pertencem à lei natural. (artigo III); Se a lei natural é uma para todos (artigo IV);  Se ela é imutável (artigo V); Se pode ser apagada da mente humana (artigo VI).

 

            A última das leis analisadas é a lei humana. Os homens têm necessidade de promulgar leis humanas (artigo I) e estas leis são derivadas da lei natural (artigo II), no sentido de que é considerado justo aquilo que segue a regra da reta razão, sendo que “a primeira regra da razão é a lei da natureza. Donde, toda lei humana só realiza a razão de lei na medida em que deriva da lei da natureza” (SOUZA NETO apud AQUINO, 1995, p. 16).

 

Do Reino ou do Governo dos Príncipes

            Sobre a teoria dos regimes e tipos de governo, Tomás de Aquino toma de empréstimo da teoria de Aristóteles, definindo os tipos de governo em: monarquia (ou reino, correspondente as constituições dos príncipes) e tirania; aristocracia e oligarquia, democracia. “Tanto a divisão dos regimes de governo e os critérios que a fundamentam, quanto os conceitos de civitas e de cidadania, toma-os de Aristóteles” (SOUZA NETO apud AQUINO, 1995, p. 24).

            Na obra Escritos Políticos (AQUINO, 1995) encontra-se um capítulo que analisa o Reino ou do Governo dos Príncipes (baseado no opúsculo inacabado De Regno). “Dirigido ao Rei de Chipre, expõe com que fundamento e sob que condições é legítimo o governo de um só, o reino, e sob que condições é melhor do que os demais regimes simples” (SOUZA NETO apud AQUINO, 1995, p. 22).

            Aí são tratadas questões sobre a origem do reino e qual o ofício do rei, segundo a autoridade da divina Escritura, os ensinamentos dos filósofos e os exemplos dos príncipes mais dignos de louvores (Livro I, Capítulo I, Argumento da obra).

            Outras questões que compõem o capítulo são: de como o homem é por natureza um animal social e político e, vivendo em sociedade, precisa ser governado por alguém (Livro I, Capítulo II); de que a monarquia é a melhor forma de governo, ou seja, é melhor que a multidão se governe por um só do que por muitos e de como a tirania é a pior forma de governo (Livro I, Capítulo III ao VII); são tratadas também questões sobre a monarquia: o que deve mover o rei, a honra ou a glória (Capítulo VIII); o fim da monarquia é governar bem (Capítulo IX e XI); a função do rei (Capítulo XIII e XIV).

 

 

Referências Bibliográficas

AQUINO, Tomás de. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino. Tradução de Francisco Benjamin de Souza Neto. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. (Clássicos do Pensamento Político).

FERRAZ, Carlos Adriano. Elementos de ética. Pelotas: NEPFil online, 2014. Acessado em 18/06/2019.