Paidéia: A Educação dos Guardiões

12/10/2017 21:11

            No Livro I da Πολιτεια Sócrates debate com Trasímaco, Adimanto e Glauco, entre outros, sobre a justiça (Dikaiosýne). A justiça significa dar a cada um o que lhe é devido (conceito de justiça distributiva)? Ou a justiça significa obedecer as leis promulgadas pelo Estado (conceito de justiça política)? E nos casos onde o Estado ou seus governantes não ofereçam boas leis aos seus súditos, como entender a justiça? E o que pensar da ideia de que muitas vezes parece mais vantajoso ser injusto do que justo?

            É em torno de questões como estas que se desenrola o diálogo da Πολιτεια e, ao término do Livro I, Sócrates argumenta que, sem justiça, sociedade alguma é possível, sendo a justiça uma virtude da alma. O justo assemelha-se ao homem bom e sábio, e sua alma viverá bem e feliz, ao passo que a injustiça é um defeito da alma e o homem injusto não vive bem e é desgraçado. Donde se conclui que “a justiça é virtude e sabedoria, e a injustiça maldade e ignorância” (350d). Ora, não pode haver vantagem em ser desgraçado, mas sim em viver bem e ser um homem sábio, por isso, não pode haver vantagem na injustiça e em se viver injustamente e “jamais a injustiça será mais vantajosa do que a justiça” (354a).  Além disso, “é forçoso que quem tem uma alma má governe e dirija mal, e, quem tem uma boa, faça tudo isso bem” (353e).

            É em torno da ideia de que não pode haver harmonia social sem justiça que Sócrates propõe que se dê atenção especial à formação daqueles cuja função social é a defesa e organização da cidade, para que se possa fundar um Estado perfeito: nos Livros II e III Sócrates discute, com seus interlocutores, a respeito da educação dos guardiões. O Livro II trata fundamentalmente da educação dos guardiões, que são “auxiliares dos governantes com a função de guardar a cidade” (PORTO, 2017, p. 348).

            Como os Guardiões devem ser educados desde a infância, podemos encontrar elementos importantes para pensar a pedagogia platônica. A educação infantil para o filósofo grego é de suma importância porque, como ele mesmo afirma, “em qualquer empreendimento, o mais trabalhoso é o começo [...] Pois é sobretudo nessa altura que se é moldado, e se enterra a matriz que alguém queira imprimir numa pessoa” (PLATÃO, 377ab). Em todo caso, vejamos o que o filósofo grego nos diz sobre como deve ser a educação desta classe da sociedade que ele chama de guardiões.

            Quando a riqueza e a civilização se desenvolvem, é preciso guardiões para assegurar o cumprimento da justiça, assim como de guerreiros para defender a sociedade. Trata-se, pois, de saber qual a educação mais conveniente a estas classes (PLATÃO, 376ae), quais devem ser suas qualidades, físicas e psíquicas, para que eles possam realizar a função que lhes compete dentro da sociedade.

            Eis as qualidades físicas que um guardião deve possuir: ser perspicaz para sentir o inimigo, rápido na perseguição, forte para combater e valente para lutar com energia (375a). Os guardiões “devem ser enérgicos para defender o Estado em suas relações com o exterior e proteger a Pólis, mas como são responsáveis pela harmonia interna e unidade administrativa, também devem possuir caráter brando, sendo guiados pela sabedoria” (DANIELI; CATTELAN, 2018, p. 4).

            São qualidades psíquicas: ter ânimo invencível e indomável, para não ter medo da derrota em qualquer circunstância (375b), devem ser brandos para com os compatriotas e acerbos para com os inimigos (375c), ter um instinto de filósofo, ou seja, desejo de aprender (375e). É determinante para os guardiões “o ânimo ou a capacidade irascível, pois somente usando-a o guerreiro se tornará invencível e o medo e a derrota não farão parte do seu modo de ser” (PORTO, 2017, p. 348).

            Como então, educar estes guardiões para que eles sejam possuidores destas qualidades, físicas e psíquicas, sem o que não poderão exercer este ofício? É o que Sócrates passa a analisar agora (376d).

            No projeto pedagógico platônico deve-se incluir a educação para o corpo (376e), através da ginástica, e a educação da alma, que inclui a literatura, as artes, as fábulas etc. A primeira destas artes a ser analisada por Platão é a literatura sob a forma de fábulas, pois é esta a de que primeiro nos servimos para ensinar as crianças.

            A primeira forma de educação é dada sob a forma de fábulas, pois o homem é bastante imperfeito para prescindir das mesmas. Mas é preciso selecionar que tipo de fábulas devemos ensinar as crianças, rejeitando aquelas que são falsas e mentirosas. As fábulas devem ser concebidas de modo a inculcar nas crianças verdades como: Deus é absolutamente bom, imutável e não é causa do mal (379bc). As crianças devem ser ensinadas por meio de fábulas (mas devemos vigiar os autores de fábulas e selecionar apenas as que forem boas, rejeitando as que forem más) (377c).

            Platão critica os poetas como Hesíodo e Homero, que apesar de sua proeminência, não deixaram de retratar erradamente deuses e heróis, atribuindo-lhes toda sorte de baixeza e impiedade. Estes exemplos de poetas e escritores devem ser banidos da cidade e tidos como mal educadores, pois toda “mentira sem nobreza” deve ser alvo de censura (377e)[1]. Tanto mais quanto estas estórias retratam lutas e inimizades variadas, de deuses e heróis, para com parentes ou familiares seus, pois tudo isto seria profundamente danoso na educação dos guardiões que devem, acima de tudo, ser brandos para com os compatriotas, como vimos, embora acerbos para com os inimigos, sem o que eles mesmos podem destruir-se uns aos outros, sem ter que esperar que os inimigos o façam.

De modo algum [será conveniente contar] que os deuses lutam com os deuses, que conspiram e combatem, pois nada disso é verdade, se queremos que os futuros guardiões da nossa cidade considerem uma grande vileza o odiarem-se uns aos outros por pouca coisa [...] se de algum modo queremos persuadi-los de que jamais um cidadão teve ódio a outro, nem isso é sancionado pela lei divina, é isto que deve ser dito, de preferência, às crianças, por homens e mulheres de idade, e, quando elas forem mais velhas, também os poetas devem comprometer-se a fazer-lhes composições próximas deste teor. Mas que Hera foi algemada pelo filho, e Hefestos projetado a distância pelo pai, quando queria acudir à mãe, a que aquele estava a bater (Ilíada I, 586-596), e que houve combates de deuses, quantos Homero forjou (Ilíada XX 1-74, XXI 385-513), é coisa que não deve aceitar-se na cidade, quer essas histórias tenham sido inventadas com um significado profundo, quer não [...] Por causa disso, talvez, é que devemos procurar acima de tudo que as primeiras histórias que ouvirem sejam compostas com a maior nobreza possível, orientadas no sentido da virtude (378ce).

            É preciso banir tais histórias, primeiro porque é impossível admitir que o mal venha dos deuses (391e), segundo porque é prejudicial àqueles, na medida em que servirá de desculpa para suas próprias maldades, desencadeando nos jovens uma propensão ao mal (392a). Por exemplo, como censurar um jovem que tenha castigado um pai que lhe tenha feito mal, se os deuses agem desta forma, como quando Zeus, depois de crescido, dominou seu pai, Cronos, alcançando o poder supremo? (Teogonia 453-506 apud PLATÃO, 378a).

Que se diga que o deus, sendo bom, foi causa de desgraça para alguém, é coisa que se deve combater por todos os processos, para que ninguém faça afirmações dessas na sua própria cidade, se quer que ela tenha uma boa legislação, nem pessoa alguma velha ou nova, ouça contar tais histórias, em verso ou em prosa, pois quem assim falasse diria impiedades, sem utilidade para nós e em desacordo uns dos outros (380bc).

            Platão critica ainda os poetas quando dizem que o Deus ou os deuses sejam capazes de se transformar e mudar de forma, traiçoeiramente ou como um feiticeiro, assumindo figuras variadas, iludindo e simulando aparições (380d), como quando dizem que Zeus se transformou em cisne ou em chuva de ouro, ou que Hera se metamorfoseou em sacerdotisa, pois um deus, sendo deus, jamais poderia mentir por palavras ou ações e, nem se quer, transforma-se, pois sendo Deus perfeito, não pode sair de sua forma, sem diminuir sua natureza, pois Deus não carece de qualquer parte da virtude ou da beleza ou da perfeição (380d; 381b). Ademais, “tudo o que é relativo a divindade e deuses é totalmente alheio à mentira [...] Deus é absolutamente simples e verdadeiro em palavras e atos, e nem ele se altera nem ilude os outros, por meio de aparições, falas ou envio de sinais, quando se está acordado ou em sonhos” (382e).

            Por isso, é necessário que haja uma outra forma de educar através da prosa e dos versos acerca dos deuses. Não se pode consentir que os mestres usem estas histórias na educação dos jovens, e muito menos dos guardiões, a fim de que possam ser tementes aos deuses e semelhantes a eles, na medida em que isso for possível a cada indivíduo (383c).

            Depois de destacar as qualidades físicas e psíquicas dos guardiões e de como se deve educá-los por meio de fábulas, Sócrates passa a dispor agora das virtudes dos guardiões, a começar pela coragem (ou fortaleza) (386b), necessária ao estabelecimento de uma cidade forte. “Para que isso aconteça, o guardião precisa ter a capacidade de moderação da animosidade e, somente fazendo uso da virtude, poderá conservar a opinião reta sobre o que é perigoso, sem se deixar vencer por medos ou paixões” (PORTO, 2017, p. 350).

            Um dos princípios, segundo Sócrates, necessário para incutir nos guardiões a coragem, é eliminar o medo da morte. E mais uma vez Sócrates volta a questionar as histórias através dos mitos, sobretudo aquelas de terror, pois tais histórias não são úteis aos que se destinam ao combate. Ao contrário, deve-se criar modelos contrários a tais histórias e ensinar, por exemplo, “que o homem não considera terrível a morte de outro homem honesto” (387b). Por isso, é necessário eliminar tudo o que causa terror da morte.

            Depois da coragem, a temperança é a outra virtude que deve ser ensinada aos guardiões, temperança que significa “obedecer aos chefes, e ser senhor de si relativamente aos prazeres da bebida, de Afrodite e da comida” (389e). E mais uma vez é preciso banir da cidade as histórias relativas aos deuses que se lhes apresentam de forma intemperante e insensata, como na Ilíada, onde Zeus aparece tomado de desejo amoroso por Hera, e de tal modo ficou aturdido com seu desejo que se uniu a ela mesmo no chão (390c).

Portanto, não acreditemos nem consintamos que se diga que Teseu, filho de Poséidon, e Pirítoo, filho de Zeus, se entregaram a tão terríveis raptos [Píritoo ajudou Teseu a raptar Helena, e este, aquele a tentar raptar Perséfone do Hades], nem que qualquer outro filho de deus ou herói ousaria cometer os feitos tremendos e ímpios de que agora os acusam. Pelo contrário, forcemos os poetas a dizer que não cometeram tais atos, ou então que não eram filhos de deuses, mas que não afirmem as duas coisas a um tempo, nem tentem convencer os nossos jovens de que os deuses são causadores do mal, e de que os heróis não são em nada melhores do que os homens. Tal como anteriormente dissemos (378b; 380c), isso é ímpio e falso, pois demonstramos que é impossível que o mal venha dos deuses (390de).

            É preciso banir estas histórias para que não torne os jovens e, principalmente os guardiões, propensos para o mal, nem que se dê desculpa para suas maldades, na convicção de que assim procedem e procederam os deuses.

            Depois de analisar os poetas que narram histórias sobre os deuses, Sócrates examina aqueles que contam histórias sobre os homens, pois segundo ele, os poetas e prosadores também “proferem os maiores dilates acerca dos homens: que muitas pessoas injustas são felizes, e desgraçadas as justas, e que é vantajoso cometer injustiças, se não forem descobertas, que a justiça é um bem nos outros, mas nociva para o próprio” (392b)[2]. Então Sócrates passa a analisar, junto com Glaucon e Adimanto, as tragédias e as comédias. O fato é que os guardiões devem evitar a imitação[3] de tudo aquilo que não convém, como a baixeza, a intemperança, a ambição, nem nenhum dos outros vícios. “Se imitarem, que imitem o que lhes convém desde a infância – coragem, sensatez, pureza, liberdade, e todas as qualidades dessa espécie” (395c). É importante frisar aqui o quanto esta imitação pode ter influência no desenvolvimento do caráter dos indivíduos pois as imitações, “se se perseverar nelas desde a infância, se transformam em hábito e natureza para o corpo, a voz e a inteligência” (395d).

            Para que os guardiões se tornem homens superiores, deve-se evitar que eles imitem homens perversos e covardes, que falem mal ou digam coisas vergonhosas por meio da imitação, ou que imitem a embriaguez e toda espécie de erro, seja em palavras ou ações, contra si mesmos e contra os outros (396a). Ao contrário, o homem moderado quererá imitar uma pessoa de bem, “e não se envergonhará dessa imitação, sobretudo ao reproduzir atos de firmeza e bom senso do homem de bem [...] Quando, porém, se tratar de algum exemplo indigno dele, não quererá copiá-lo afanosamente quem lhe é inferior” (396d). Ele deve diferir ao máximo do orador medíocre, que não considera coisa alguma indigna de si, o imitar qualquer coisa, perante numeroso auditório. Desta forma, na cidade idealizada por Sócrates, só se deve receber os imitadores do homem de bem e banir os imitadores de qualquer espécie (397d; 398b).

            No Livro III Sócrates (sob a pena de Platão) examina ainda a educação musical (harmonia e ritmos), limitada às canções dóricas e frigias, e aos instrumentos mais simples, que deve ser, assim como as artes plásticas, submetida a um controle, pois tudo na organização idealizada por Sócrates deve visar a criar o hábito da moderação e o amor ao belo. É preciso evitar os ritmos e as harmonias lamentosas, que promovam a embriaguez, a moleza e a preguiça (398e; 400ac) e deixar somente aquelas que sejam capazes de imitar convenientemente um homem valente na guerra, ou que imitem atos pacíficos, que usa do rogo ou da persuasão (399ab). A educação pela música se torna importante, pois o ritmo e a harmonia penetram profundamente a alma a ponto de afetá-la em suas sensações e disposições. E a educação deve visar convergir na alma boas disposições, tornando os indivíduos bons e sábios.

            É preciso evitar que estas imagens do mal cresçam entre os guardiões como ervas daninhas, prejudicando um pouco a cada dia o desenvolvimento de seu caráter e de sua alma, mas a melhor educação deve impressionar os olhos e ouvidos dos jovens e futuros guardiões com coisas belas, e isto desde a infância, levando-os a estar em harmonia com a razão e com o bem (401c).

            A grande questão platônica, nesse ínterim, é que em todas as coisas há beleza ou fealdade (401ab), na pintura como em todas as artes, “a fealdade, a arritmia, a desarmonia, são irmãs da linguagem perversa e do mau caráter; ao passo que as qualidades opostas são irmãs e imitações do inverso, que é o caráter sensato e bom” (401a). Por isso, diz o filósofo, é preciso vigiar não só os poetas, mas todos os artistas, e impedi-los de introduzir em sua obra o vício, a baixeza, o perverso, o mau caráter, em qualquer obra de arte. Dessa forma, “devemos procurar aqueles dentre os artistas cuja boa natureza habilitou a seguir os vestígios da natureza do belo e do perfeito...” (401c).

            Uma vez tratado o espírito, é preciso cuidar do corpo. É examinada a ginástica, a alimentação, a medicina. O guardião deve abster-se da embriaguez, cuidar da alimentação (403e), evitar as cortesãs e o excesso dos prazeres (404d). É preciso também não se entregar aos extremos, ou seja, cuidar apenas do corpo ou apenas da alma, pois “os que praticam exclusivamente a ginástica acabam por ficar mais grosseiros do que convém, e os que se dedicam apenas à música tornam-se mais moles do que lhes ficaria bem” (410d). É preciso se dedicar tanto a uma como a outra, isto porque “A música gera a temperança na alma, e a ginástica, a saúde no corpo” (404e). E os guardiões precisam ter ambas estas qualidades em sua natureza, daí a necessidade de conciliar a ginástica com a música, pois dessa harmonia resulta uma alma moderada e corajosa, ao passo que do contrário, teríamos uma alma covarde e grosseira (411a). Quanto a medicina, ela é necessária, mas somente em determinados casos, pois aquele que cuida do corpo e da alma, além de ser moderado e se exercitar na música e na ginástica, não precisará da medicina para nada (410b), de onde se conclui que a medicina não seria necessária, em uma cidade imaginária de indivíduos sábios e justos.

            A ginástica merece uma atenção especial no cuidado com o corpo. Platão fundou a primeira instituição grega dedicada aos estudos científicos e filosóficos, a Academia. No local, além das instalações escolares para o estudo de assuntos relacionados à matemática, à filosofia, à astronomia, etc, havia ainda um ginásio (gýmnasion) destinado à realização de exercícios físicos que desempenhava um papel importante na educação dos gregos, atuando como complemento fundamental, para a formação intelectual e física. Nesse espaço, havia um pátio cercado por colunas reservado à meditação filosófica, uma pista para a realização de corridas e saltos, além de um local coberto para a prática de lutas, com salas de banho. A prática de exercício foi introduzida pela civilização grega com o nome de ginástica, que se caracterizava por exercícios disciplinados que tinham a finalidade de desenvolver a destreza, a beleza e a força. Os exercícios incluíam a corrida, os saltos, a natação, o lançamento e o levantamento de peso.

            Segundo Vitor Marinho de Oliveira (2004), a Filosofia pedagógica que determinou os caminhos a serem percorridos pela Educação Grega e, nesse caso, a filosofia platônica, tem o grande mérito de não divorciar a Educação Física da intelectual e da espiritual. Para os gregos o homem é um conjunto de corpo e alma e deve ser educado como tal. Na busca de entender o homem e como deveria ser sua formação os gregos colocaram a educação como meio de formar o homem ideal para a sociedade a partir das forças corporais e intelectuais.

            E na Πολιτεια de Platão, o cultivo de todas estas habilidades (físicas e espirituais, corporais e intelectuais) e comportamentos devem conduzir a um ideal não só de defensor da cidade, como também de um governante, cuja responsabilidade é a de administrar e organizar a sociedade (412a). Os mais aptos e os melhores para guardar a cidade devem ser também aqueles que hão de governar, pela educação que receberam e por causa de suas habilidades, inteligência, autoridade e sentimentos patrióticos (412c; 414a). Os guardiões devem ser observados durante todo seu processo educativo e em todas as idades, para ver se se mantém firmes em suas resoluções e não abandonam a opinião de que devem fazer o que há de melhor para a cidade, além de não se deixarem levar pela impostura ou pela violência (412e; 413cd). Aqueles dentre os guardiões que melhor se sair em todas estas provas e outras ainda mais a que possam ser submetidos para provar suas qualidades, devem ser colocados no posto de chefe e guardião da cidade. Tal deve ser a educação dos guardiões que deve moldá-los e forjá-los completamente, responsáveis por defender a cidade contra os inimigos, e fazer com que os cidadãos obedeçam as leis internas.

 

[1] É interessante frisar esta “mentira sem nobreza”. Sócrates não aceita que se contem histórias mentirosas e fantasiosas acerca dos deuses, pois a mentira não é algo útil, nem aos deuses nem aos homens. Com efeito, Sócrates afirma que deve-se castigar todo aquele que for pego a mentir, pois introduz costumes que podem “deitar a perder uma cidade, tal como se fosse um navio” (389d). Entretanto, há uma única ocasião em que a mentira parece ser permitida aos olhos de Sócrates, seria talvez uma “mentira com nobreza” e, apesar de Sócrates não exemplificar com situações que demonstrem como tal poderia se dar, ele afirma: “se a alguém compete mentir, é aos chefes da cidade, por causa dos inimigos ou dos cidadãos, para benefício da cidade; todas as outras pessoas não devem provar deste recurso” (389c – grifo nosso).

[2] Em certo sentido, podemos dizer que esta é uma crítica feroz, mas talvez de forma indireta, a concepção sofistica de Trasímaco.

[3] É preciso destacar aqui que Sócrates entende, tanto a tragédia como a comédia, como uma arte de imitação. Para maiores detalhes sobre esta arte mimética ver os passos 392 a 395.

 

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