Acionamento do judiciário se necessário

por Luciano Chacha de Rezende

postado em nov. 2017

            É sabido que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, inspirada, por exemplo, na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)[1] e na Convenção Americana de Direitos Humanos (1969, mais conhecida como o Pacto San José da Costa Rica)[2], consagrou, como direito fundamental, que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário[3] lesão ou ameaça a direito (inciso XXXV do artigo 5º).

            No meio jurídico traduz-se na seguinte expressão: “livre acesso ao Judiciário”.

           

            Neste sentido tudo, em tese, pode ser levado para ser apreciado e julgado pelo Poder Judiciário.

          Ainda mais que o Novo Código de Processo Civil excluiu a possibilidade jurídica do pedido como condição de admissibilidade de uma pretensão, mantendo apenas o interesse e a legitimidade[4].

            Ora, qual a consequência disso em nosso País (ainda mais levando em consideração que onde há direito existe dever, como o verso e o reverso de uma moeda[5])? O problema está no direito em si ou no modo de exercê-lo?

         

            Para responder, pontualmente, basta recorrer ao “Justiça em Números – 2017 (ano base 2016)” e verificar alguns dados relevantes[6].

            Total gasto com Recursos Humanos (89,5%) e outras despesas (10,5%): 84.846.934.555 (oitenta e quatro bilhões, oitocentos e quarenta e seis milhões, novecentos e trinta e quatro mil e quinhentos e cinquenta e cinco reais), representa 1,4% do PIB; o gasto médio do poder Judiciário com cada juiz no Brasil é de R$ 47,7 mil por mês[7]; 442.345 servidores (18.011 Magistrados, 279.013 Servidores e 145.321 Auxiliares); 79,7 milhões de processos em tramitação[8] (sendo que 38% são de execução fiscal); em média, cada Juiz ficou responsável por solucionar 6.577 processos e conseguiu baixar 7,3 por dia, 1.760 ao ano; se o Poder Judiciário fosse paralisado sem o ingresso de novas demandas e mantida a produtividade dos magistrados e dos servidores, seriam necessários aproximadamente 2 anos e 8 meses de trabalho para zerar o estoque; apenas 11,9% foram resolvidos por meio de conciliação, bem como o tempo médio das sentenças de 1º grau proferidas em 2016, na fase de execução, foi de quatro anos e seis meses, já as sentenças na fase de conhecimento levaram uma média de um ano e quatro meses da autuação ao julgamento de mérito[9].

           Tais dados demonstram, claramente, que o Poder Judiciário deveria ser acionado se necessário[10], sob pena da Justiça ser obtida a passos lentos, num custo alto e sem a qualidade desejada.

            Para que este quadro alarmante se reverta, a solução é buscar, inicialmente, os métodos alternativos de prevenção e solução de litígios (em muitos casos o Judiciário não é a única e nem a melhor via).

            No Código de Ética da OAB está previsto como dever do advogado estimular a conciliação entre os litigantes prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios (inciso VI do artigo 2º).

          Segundo a Lei Complementar nº 80/94 uma das funções institucionais da Defensoria Pública é promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos (inciso II do artigo 4º).

            O Ministério Público instituiu, por meio da Resolução nº 118/2014, a Política Nacional de Incentivo à Autocomposição (como a negociação, a mediação, a conciliação, o processo restaurativo e as convenções processuais, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão sobre tais mecanismos).

           Vale mencionar o advento da Lei nº 13.140/2015 que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração púbica.

            Exemplo brilhante e recente são os 87 enunciados aprovados na “I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios” pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. Foram divididos em 3 partes: “Arbitragem” (1 a 13), “Mediação” (14 a 47) e “Outras formas de Solução de Conflitos” (48 a 87).

            Merecem destaque os seguintes enunciados:[11] possibilidade de arbitragem em alguns litígios que envolvam a Administração Pública (5); recomendação de órgãos do sistema da justiça firmar acordos de cooperação com Universidades e empresas geradoras de grande volume de demandas (15); dever dos entes federados de criar Câmaras de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos (25); advocacia pública colaborativa resultando em celebração de pacto de não propositura de demanda judicial e de solicitação de suspensão das que estiverem propostas com estes (31); recomendação que, na judicialização da saúde, previamente à propositura de ação versando sobre a concretização do direito à saúde, promova-se uma etapa de composição extrajudicial mediante interlocução com os órgãos estatais de saúde (48); estimular a transação como alternativa válida para tornar efetiva a justiça tributária no âmbito administrativo (53); a conciliação, arbitragem e mediação como vias adequadas à Administração Pública (60); educação para a cidadania como forma adequada de solução e prevenção de conflitos na via extrajudicial (73) e, por fim, possibilidade de criar outras formas de resolução de conflitos que decorram da autonomia privada, desde que o objeto seja lícito e as partes sejam capazes (81).

            Foram baseados, em grande parte, nos dispositivos do Novo CPC[12].

          Restou demonstrado que há vários caminhos alternativos ao Judiciário para obter a justiça tão sonhada. Está ao alcance de todos. Mãos à obra.

 

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Sobre o autor

Luciano Chacha de Rezende é Analista do Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp (LFG); Especialista em Direito Público pela mesma Instituição; Especialista em Direito Tributário pelo IBET.



[1] 8 - Toda a pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.

[2] Artigo 25 - Proteção judicial: 1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.

[3] Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário: I - o Supremo Tribunal Federal; I-A o Conselho Nacional de Justiça; II - o Superior Tribunal de Justiça; II-A - o Tribunal Superior do Trabalho; III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho; V - os Tribunais e Juízes Eleitorais; VI - os Tribunais e Juízes Militares; VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.

[4] Art. 17.  Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade.

[5] Famosa expressão de Norberto Bobbio inserta no livro “A Era dos Direitos”, Editora Campus, 4ª tiragem, 2004, p. 73.

[6] O relatório reúne informações de todos os órgãos do Judiciário brasileiro, excluídos o Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça. Assim, as 90 cortes de Justiça analisadas são: quatro Tribunais Superiores (Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral - TSE e Superior Tribunal Militar - STM); 27 Tribunais de Justiça Estaduais; cinco Tribunais Regionais Federais; 24 Tribunais Regionais do Trabalho; 27 Tribunais Regionais Eleitorais; e três Tribunais de Justiça Militar Estaduais. O período analisado compreende os anos de 2009 a 2016.

[7] O cálculo representa também desembargadores e ministros dos tribunais do país, tanto na ativa como aposentados. O valor não significa, necessariamente, que os juízes estejam recebendo acima do teto legal, de R$ 33 mil, valor do salário de um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal). Pagamentos indenizatórios e 13º e férias, por exemplo, são excluídos do teto salarial. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/09/04/cada-juiz-no-brasil-custa-r-47-mil-por-mes-ao-judiciario-aponta-cnj.htm. Acesso em 09/11/2017.

[8] O número de processos em tramitação não parou de crescer, e, novamente, houve aumento no estoque de processos que aguardam por alguma solução definitiva. Ao final do ano de 2009 tramitavam no judiciário 60,7 milhões de processos. Em sete anos o quantitativo cresceu para quase 80 milhões de casos pendentes, variação acumulada no período de 31,2%, ou crescimento médio de 4,5% a cada ano. A demanda pelos serviços de justiça também cresceu esse ano, numa proporção de 5,6%, não se verificando a tendência de redução esperada pela retração de 4,2% observada em 2015, comparativamente a 2014. Em 2016, ingressaram na justiça 29,4 milhões de processos - o que representa uma média de 14,3 processos a cada 100 habitantes.

[9] No 2º grau o tempo médio da decisão terminativa foi de nove meses. Nos tribunais superiores o tempo médio até a sentença foi de 11 meses no STJ, um ano e dois meses no TST e oito meses no TSE.

[10] Por mais qualificado, numeroso e produtivo seja o servidor e haja uma estrutura de excelência.

[11] Versão resumida e em cada parêntese há o enunciado correspondente.

[12] Por exemplo: Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1o É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. Art. 174.  A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo, tais como: I - dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública; II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da administração pública; III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta. Art. 175.  As disposições desta Seção não excluem outras formas de conciliação e mediação extrajudiciais vinculadas a órgãos institucionais ou realizadas por intermédio de profissionais independentes, que poderão ser regulamentadas por lei específica. Parágrafo único.  Os dispositivos desta Seção aplicam-se, no que couber, às câmaras privadas de conciliação e mediação.