Chernobyl: quando a verdade se torna inconveniente

            Graças a nova minissérie da HBO assistimos, 33 anos depois, o que pode ter acontecido realmente nos bastidores de uma tragédia sem precedentes na história da humanidade: o acidente nuclear com o reator 4 de Chernobyl em 1986, na Ucrânia. Bombeiros, mineradores, soldados, trabalhadores da usina, pessoas comuns, animais indefesos. Todos afetados pelos efeitos danosos da radiação, como Vasily Ignatenko (Adam Nagatis), um dos bombeiros que respondeu ao primeiro chamado para combater às chamas da usina. As cenas que antecedem sua morte já no hospital são impactantes. Chernobyl impressiona pelas consequências danosas que um desastre como esse pode causar.

            Em 26 de abril de 1986, uma série de decisões e erros fatais – conduzidos pelo engenheiro-chefe adjunto Anatoly Dyatlov (Paul Rittles), pelo engenheiro-chefe Nikolai Fomin (Adrian Rawlins) e pelo diretor geral Viktor Bryukhanov (Con O'Neill) –, afetaram o reator número 4 da central atômica Vladimir Ilyich Lenin, mais conhecida como Chernobyl. Pripyat, uma cidade construída para abrigar os trabalhadores da usina e suas famílias, foi evacuada apenas 36 horas após a explosão, fazendo com que milhares de pessoas ficassem expostas à contaminação por radiação. Devido, provavelmente a inalação de yodo 131 ou césio 173, muitos desenvolveram câncer de tireoide ou leucemia.

            Os efeitos da radiação ultrapassaram as fronteiras da união soviética alcançando países como a Suécia e Alemanha. Estima-se que os altos níveis de radiação liberados na atmosfera com a explosão do reator tenham sido o equivalente a 500 bombas de Hiroshima.

            A demora da aceitação do governo soviético pode ser entendida (embora não aceitável), por causa do clima da Guerra Fria que colocava em jogo um conflito em meio a corridas tecnológicas e embates ideológicos. Essa questão, embora não apareça na série, pode explicar porque os soviéticos preferiram manter sua imagem perante o resto do mundo do que assumir publicamente a extensão dos fatos ocorridos.

            Apenas no final da série o professor e físico nuclear Valery Legasov (Jared Harris) tem coragem de discursar abertamente sobre o que de fato aconteceu diante da corte soviética. Mas não sem sofrer os efeitos de sua ação. Legasov irá cometer suicídio e esta é uma das cenas do primeiro episódio da série. Legasov se enforca depois de gravar diversas fitas relatando o que aconteceu em Chernobyl e denunciando a pressão que sofreu do Estado para ocultar informações sobre o desastre. Foi a partir destas gravações que a comunidade soviética considerou avaliar a situação existente em outros reatores para evitar outro desastre nuclear como aquele de Chernobyl.

Na imagem o físico Legasov (Jared Harris) à direita e Boris Scherbina (Stellan Skarsgård) à esquerda, vice-chefe do governo sociético.

 

            A série também utiliza uma personagem fictícia (como é ressaltado nos créditos finais da série) que representaria o conjunto de cientistas reais que trabalharam na reparação do desastre. Esta personagem é Lyudmilla Ignatenko (Jessie Buckley).

            A ideia de que o governo soviético ainda resiste em demonstrar para o mundo o que de fato aconteceu também aparece nos créditos finais, ao ressaltar que, oficialmente, de acordo com dados do governo soviético, apenas 31 pessoas morreram e centenas desenvolveram problemas de saúde, devido à exposição de urânio. Quando na verdade estima-se que o número de mortos ultrapasse a casa dos noventa mil.

            Chernobyl traz à tona o acobertamento de uma catástrofe que poderia ter sido de proporções ainda maiores.

 

“Qual é o preço da mentira? Não é que podemos confundi-la com a verdade.

O verdadeiro perigo é que depois de ouvir mentiras suficientes

a gente não reconheça mais a verdade de jeito nenhum.

O que nos resta fazer então?”

Valery Legasov

 

Ciência PolíticaPolíticas PúblicasPolíticas Públicas sobre o Meio Ambiente → Chernobyl: quando a verdade se torna inconveniente