Educação e Filosofia no Antigo Oriente

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em jun. 2019

            As civilizações orientais como a Mesopotâmia, Egito, China e Índia, tiveram como característica governos de caráter teocrático, ou seja, o poder de reis e imperadores (o Faraó no Egito ou o Imperador na China, por exemplo) era baseado na crença de uma origem divina que lhe dava poderes absolutos na Terra. Essa questão teve forte influência no modo de organização destes países, fazendo com que o Estado, representado pelo seu chefe supremo, tivesse controle sobre toda a administração social, desde a produção agrícola, arrecadação de impostos e construção de obras.

            No que diz respeito à Educação, esta também estava diretamente associada ao aspecto religioso. “As orientações sobre como educar permeiam os livros sagrados, que oferecem regras ideais de conduta, segundo as prescrições religiosas e morais, a fim de perpetuar os costumes e evitar a transgressão das normas” (ARANHA, 2006, p. 52). Mas além do teor religioso, tais civilizações desenvolveram conhecimentos bastante avançados para a época, como é o caso do Egito antigo, que possuía conhecimentos de geometria e engenharia – o que pode ser facilmente demonstrado a partir da construção das grandes pirâmides. Os Egípcios possuíam ainda conhecimentos na área da astronomia, medicina, botânica, zoologia, geografia. Havia também escolas, mas que não funcionavam em prédios específicos construídos para esse fim, mas sim, em templos ou em casas particulares.

Os mestres sentavam-se em uma esteira e os alunos ao redor dele, muitas vezes ao ar livre, “sob uma figueira”, como atesta a rica iconografia egípcia. Os textos eram aprendidos mediante a repetição mnemônica, isto é, pela leitura em voz alta, em conjunto, para facilitar a memorização (ARANHA, 2006, p. 54).

            As escolas tinham a função de formar artesãos, guerreiros, médicos, engenheiros, arquitetos e, principalmente, escribas: aquele que lê as escrituras e escreve os rolos de papiro e que, por isso, instrui e se torna mestre das crianças e filhos do rei.

            Na Índia, que floresceu às margens dos rios Indo e Ganges, duas religiões permanecem até hoje: o Hinduísmo e o Budismo. O hinduísmo baseia-se nas manifestações da realidade de Brahman (por isso o hinduísmo também é chamado de Bramanismo), a essência de todas as coisas. Os brâmanes (sacerdotes) constituem uma casta distinta dos kshatriya ou xátrias (guerreiros e magistrados), vaishya ou vaixás (agricultores, camponeses e mercadores) e shudras (artesãos). Há uma quinta categoria, que não constituem uma casta, são os párias, os excluídos, ou como também são chamados: os intocáveis (servos responsáveis pelos serviços mais humildes como limpeza de esgoto, por exemplo). Oliveira (2012, p. 157) fala de quatro estágios e quatro etapas da seguinte forma: os quatro estágios são

brahmana (sacerdote ou mago e intelectual), kshatriya (guerreiro, príncipe e administrador), vaishya (comerciante e fazendeiro) e shudra (trabalhador manual); e em quatro etapas passageiras e sucessivas (os ashramas): brahmacharin (estudante), grhastha (chefe de família), vanaprastha (retirante anacoreta) e sannyasin (renunciante).

Disponível em: Outras Mídias. Acesso em jun. 2019.

 

            O sistema de castas é uma característica muito marcante da sociedade indiana e cada casta possui o seu próprio costume, tradição e rituais.

 

O sistema de castas divide a sociedade em grupos e subgrupos hostis e irreconciliáveis. O que Gould (1963) escreveu há algumas décadas, é válido ainda hoje [...] No atual contexto urbano, o sistema de castas persiste sob a forma de complexas redes de grupos de interesse preservados através da endogamia, e legitimados pela religião (GOULD, 1963, p. 427 apud MEENAI; ALEEM, 2012, p. 57).

 

            Antigamente a educação na Índia era privilégio dos brâmanes que aprendiam a ler os textos sagrados dos Vedas e dos Upanishads. Um brahmacharin, ao receber os ensinamentos de um brâmane, estuda letras, filosofia, religião, economia, política, ritos, mitos.

            Hoje em dia, embora a maior parte da população seja composta de hindus, aproximadamente 80%, a sociedade indiana é pluralista e se compõem também de: “muçulmanos (aproximadamente 13,4%), cristãos (2,3%), siks (1,9%), jainistas (0.4%) e budistas (0.8%)” (MEENAI; ALEEM, 2012, p. 56).

            Na China a educação voltava-se para a transmissão da sabedoria dos livros clássicos como o I Ching (Livro das Mutações). As tradições taoísta e confucionista se destacam na China. O primeiro é baseado nos ensinamentos de Lao Tsé e o segundo nos ensinamentos de Kung Futsé (Confúcio) que viveu entre 551-479 a.C. O I Ching foi uma das fontes de inspiração para Confúcio e se dedicou com intensidade ao estudo desta obra “e então acrescentado seus próprios comentários e interpretações, sendo considerado posteriormente um dos quatro autores do I-Ching, os quais estão distribuídos ao longo de uma extensa linha de tempo” (ALCANTARA, 2012, p. 3).

             O confuncionismo é uma filosofia antiga, originária da China com uma profunda orientação moral e prática das virtudes. O confucionismo não é uma religião, “mas de uma visão filosófica, ética, política e ritualística, um modelo de vida baseado na antiga sabedoria chinesa e nos ensinamentos de Confúcio, que jamais tratou de questões sobrenaturais, limitando intencionalmente suas reflexões à experiência humana” (MASI, 2014, p. 61 apud PESSINI, 2014, p. 167).

            Confúcio dava uma grande ênfase no poder da educação, de como a educação poderia transformar a conduta humana e por isso tinha uma proposta pragmática de transformação social que passava pela educação.

Para o sábio, a única maneira de civilizar o povo e instituir bons costumes sociais é pela educação. Assim como uma pessoa não pode saber o gosto de um alimento sem o ter provado, por melhor que seja, tampouco se poderá, sem a educação, chegar a conhecer as excelências de um vasto acervo de conhecimentos, mesmo que eles aí estejam. Só por meio da educação, pois tornar-se-á alguém insatisfeito com o que sabe; e só quando tem de ensinar a outrem é que a gente dá-se conta da incômoda insuficiência dos próprios conhecimentos. Insatisfeita com o que sabe, a pessoa então percebe que é seu o mal e dando-se conta da incômoda insuficiência de seus conhecimentos, sentir-se-á impelida a aprimorar-se (LIJI, 2011 apud BUENO, 2012, p. 129).

 

Filosofia Oriental

 

A filosofia ocidental é essencialmente uma busca acadêmica: discussão, trabalho escrito, exposição, mais discussão. No Oriente, a filosofia é ensinada através de práticas que abrem e elevam a consciência, para que a pessoa tenha a experiência dos conceitos daquela filosofia.

 

Yoga – Arquitetura da Paz

(documentário Netflix)

 

            As tradições orientais, de modo geral, “consideram o homem como um todo: em sua unidade espírito-corpo, ao menos em muitas de suas propostas pedagógicas, que partem precisamente de uma ação corporal, exterior, para atingir um efeito espiritual, interior” (HIROSE, 2012, p. 25).

            A tradição hindu baseia-se nos livros sagrados dos Vedas que contém explicações e ensinamentos. São eles: Rig-Veda, Sama-Veda, Yajur-Veda e Atharva-Veda. Os textos dos Vedas “são considerados textos revelados, originados diretamente do Absoluto (Brahma) no começo do mundo e captados por sábios que os teriam transmitido oralmente de geração em geração e, depois, compilados em forma escrita” (FOLLMANN; SCARLATELLI, 2006, p. 22). Outros textos igualmente relevantes são: os Upanishads, uma espécie de comentários aos Vedas, com diálogos filosóficos e orientações espirituais e religiosas; e duas grandes epopeias como o Ramayana e o Mahabharata.

            Talvez o escrito mais conhecido no Ocidente seja uma parte do Mahabharata: o Bhagavad-Gita (ou Canção Divina ou Canto dos Bem-Aventurados).

Mircea Eliade denomina o Bhagavad-Gita de Hamlet indiano. Segundo M. Biardieu (1981) o Bhagavad-Gita, ainda hoje, é o livro de cabeceira do hindu piedoso. Em O Livro das Religiões, de Victor Hellern e outros, o Bhagavad-Gita é apresentado como “o livro sagrado que ocupa o lugar supremo na consciência do indiano médio”. Segundo Hans Küng, o Bhagavad-Gita “é a escritura sagrada mais conhecida e de maior influência, muitas vezes chamada de evangelho do Hinduísmo e, ao mesmo tempo, um dos grandes documentos éticos da humanidade” (FOLLMANN; SCARLATELLI, 2006, p. 26 – grifos do autor).

            O Bhagavad-Gita compõe-se de um diálogo entre Krishna e Arjuna, o primeiro representa a divindade suprema e Arjuna é um guerreiro que entra em conflito para cumprir com o seu dever sabendo que deverá enfrentar em uma batalha seus próprios amigos, parentes e antigos mestres.

            Na tradição filosófica hindu, uma das principais fontes de orientação é o dharma: “é essencialmente compreendido como o ‘dever moral’ ou a ‘conformidade com a verdade das coisas’. É ainda percebido como a maneira pela qual o homem atinge os seus objetivos na vida” (MEENAI; ALEEM, 2012, p. 56). Oliveira (2012, p. 153) ressalta como sendo quatro o que ele chama de sentidos da vida e, além do dharma, acrescenta: moksha (libertação); “artha (desenvolvimento econômico, fama e poder) e kama (prazer, erotismo e toda espécie de satisfação obtida dos sentidos, direta ou indiretamente, como, por exemplo, tudo aquilo que expressa lazer, segurança, adorno e conforto materiais)”.

            Todas as ações humanas podem ser interpretadas a partir destes quatro valores de referência, em que todos os homens “em um momento ou em outro de sua vida, serão impulsionados por cada um dos sentidos em graus variados e não podem pretender, sem o devido prejuízo para si mesmos, ignorar esse ou aquele grau manifestado” (OLIVEIRA, 2012, p. 153). Nessa visão, o dharma deve administrar as duas bases (artha e kama) pois, entregues a si mesmas, sem um sentido moral de dever, elas podem ser extremamente destrutivas.

É o sentido do adágio: “destruído, o dharma destrói; protegido, o dharma protege” (MANU, VIII.15). O dharma será definido, portanto, como o conjunto das regras que devem ser respeitadas para que a busca dos outros sentidos não resulte em um caos; em outras palavras, refere-se a um típico “dever ritual” – o que também podemos caracterizar como yoga social (OLIVEIRA, 2012, p 154).

            O dharma é a mola propulsora da libertação (moksha). Ao estabelecer limites para  artha e kama, o dharma proporciona moksha.

 

Referências Bibliográficas

ALCANTARA, Licinius D. Sá de. Modelo confucionista de educação, ética e gestão pública. COBENGE – XL Congresso Brasileiro de Educação em Engenharia, Belém-PA, 03 a 06 de setembro, 2012.

ARANHA, Maria Lúcia de A. História da Educação e da Pedagogia: Geral e Brasil. 3. ed. São Paulo: Editora Moderna, 2006.

BUENO, André da Silva. O Extremo Oriente na Antiguidade. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2012. vol. 1

FOLLMANN, José Ivo; SCARLATELLI, Cleide Cristina. Lições Milenares do Oriente Hinduísta para uma Conduta Ética na Sociedade de Hoje. REVER - Revista de Estudos da Religião, n. 4, p. 18-42, 2006. Acesso em: 21 jun. 2019.

HIROSE, Chie. Pedagogia Oriental: corpo e educação. Augusto Guzzo Revista Acadêmica, n. 9, p. 24-30, 2012. Acesso em: 15 jun. 2019.

MAIS, D. O futuro chegou: modelos de vida para uma sociedade desorientada. Rio de Janeiro: Casa da Palavra; 2014. p. 57-74.

MEENAI, Zubair; ALEEM, Sheema. Participação infantil na Índia: práticas e desafios. O Social em Questão, - Ano XV – n. 27, p. 55-64, 2012. Acesso em: 16 jun. 2019.

OLIVEIRA, Arilson. Brahmacharya: a vida escolar hinduísta na Índia Antiga. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, v. 4, n. 8, p. 151-171, dez., 2012. Acesso em: 16 jun. 2019.

PESSINI, Leo. Algumas notas sobre uma bioética de cunho asiático, a partir da China. Revista Bioethicos, v. 8, n. 2, p. 161-173, 2014. Acesso em: 24 jun. 2019.

 

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