Ética do Discurso

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em 2016

            A Teoria do Agir Comunicativo – sobre a Teoria do Agir Comunicativo, veja em nosso website a seção Jürgen Habermas traz em suas bases uma teoria moral que procura fornecer um princípio que oriente nossas ações em contextos e interações sociais. Como afirma Macedo (1993, p. 38): “A teoria da ação comunicativa tem sua expressão na linguagem e sua base na ética”. Tal como na Teoria do Agir Comunicativo, a Ética do Discurso parte do pressuposto de que a linguagem é o  meio de interação entre as pessoas e de acordo com este referencial, quando duas ou mais pessoas se comunicam pode haver concordância e aceitação de um fato ou não. A questão central aqui não é tanto a aceitação de uma ideia, mas o direito que cada falante tem de expor seus argumentos, de forma não coercitiva, e o respeito à opinião de todos os agentes envolvidos em um debate de ideias. Quando alguém rompe com as pretensões de validade de uma proposição surge um impasse. E embora a teoria do agir comunicativo vise o consenso, a superação do impasse pode não ser um momento isento de “conflito”, como em uma “guerra”, só que neste caso uma disputa inteiramente ideológica, no sentido mais amplo do termo.

            Uma Ética da Razão Comunicativa foi proposta inicialmente por Karl Otto Apel no final da década de 1960 e Jürgen Habermas deu continuidade posteriormente procurando elaborar uma Ética do Discurso. De acordo com o professor Diego Zanella (2012), a elaboração de uma ética do discurso tem sido o objetivo perseguido por Apel e Habermas, embora por caminhos distintos, mas paralelos[i]. Para ambos os autores a ética do discurso está estruturada em uma teoria da racionalidade que ambos chamam de “razão comunicativa”. Nesse sentido podemos dizer que “o conceito moderno de razão foi ampliado no sentido de abarcar não somente a explicação de fenômenos objetivos ou a intuição de princípios, mas também orientações práticas para o agir comunicativo” (STEFANI, 2005, p. 67). Além disso, o conceito de razão não está mais centrado em um sujeito monológico, como afirma Pizzi (1994), mas inclui procedimentos linguísticos e argumentações discursivas. No caso de Habermas,

A Ética do Discurso fundamenta-se na Teoria da Ação Comunicativa, que sugere uma fundamentação racional-intersubjetiva da escolha sobre valores, numa razão comunicativa entre sujeitos que cooperam na busca da verdade. Supõe normas racionalmente validáveis. O método dessa perspectiva ética é o da comunicação intersubjetiva, num sistema participativo que conduz aos consensos em torno de normas e princípios para a ação. Visa a garantir a igualdade de condições entre os sujeitos (discursos autêntico), não apenas em nível da comunicação, mas na própria condição de vida. Os dissensos e dificuldades da comunicação, segundo Habermas, podem ser resolvidos através de processos democráticos de comunicação (POLLI, 2013, p. 31 – grifos do autor).

(VÉLEZ CUARTAS, 2005, p. 181 e p. 190).

            Além disso, a Ética do Discurso tem na linguagem argumentativa um critério procedimentalista visando uma fundamentação racional de normas morais, sendo que a validade de uma norma é determinada pelo consenso alcançado entre sujeitos capazes de linguagem e ação (RAUBER, 1999), ou seja, o objeto da ética do discurso são as interações entre pelo menos dois sujeitos, que tem como objetivo a busca do entendimento, introduzido como mecanismo coordenador da ação comunicativa.

            Partindo do princípio de que a linguagem mediatiza as relações intersubjetivas e de que este fato está presente em toda comunicação humana, Habermas fala de um jogo linguístico, que segue regras, sobre as quais é necessário um mútuo entendimento, tanto sobre as regras quanto sobre o sentido das palavras usadas nesse jogo e o sentido das coisas mediadas pelos significados das palavras. Tais regras são “[...] regras semânticas constitutivas do discurso [...] decisivas para o significado, e, desse modo, também são decisivas para o procedimento de verificação e para o consenso. Ou seja, trata-se aqui de regras que possuem um caráter eminentemente pragmático” (ZANELLA, 2012, p. 134).

            Em seu programa de fundamentação da ética do discurso, Habermas orienta sua norma formal e procedimental a partir do que ele chama de “princípio do discurso”, para enfatizar a ideia de que um discurso só pode ser considerado válido se a argumentação foi feita de modo racional e de forma não coercitiva. Constitui também norma procedimental o fato de que os falantes devem ter chances iguais para expressar seus argumentos, ideias, opiniões e até mesmo sentimentos sem que possam se sentir constrangidos. Ou como afirma o próprio Habermas:

Todo aquele que se envolve numa prática de argumentação tem que pressupor pragmaticamente que, em princípio, todos os possíveis afetados poderiam participar, na condição de livres e iguais, de uma busca cooperativa da verdade, na qual a única coerção admitida é a do melhor argumento (2003, vol II, p. 215 apud ZANELLA, 2012, p. 137).

            Nesta concepção de ética do discurso, nenhum sujeito pode decidir sozinho sobre a moralidade, mas as questões morais são resolvidas dentro de uma comunidade de comunicação em condições iguais, concretas e racionalmente aceitas sem coação por todos os participantes (HERRERO, 2000). Uma concepção de ética que ultrapassa os limites da filosofia da consciência a partir do que podemos chamar de “tese da ‘mudança de paradigma’: da filosofia do sujeito à filosofia da intersubjetividade comunicativa” (OLIVEIRA, 2008, p. 20). Com efeito,

“Pensando não mais o sujeito solitário [filosofia da consciência], mas aquele que está inserido numa comunidade em que o conhecimento é linguisticamente mediatizado e relacionado com o agir [filosofia da linguagem], Habermas tenta destacar o nexo das práticas e da própria comunicação cotidianas” (POLLI, 2013, p. 23).

            Além disso, a ética do discurso se funda em um “nós” consensual claramente ao contrário de uma ética de matriz kantiana que se funda em uma autonomia individual de um “eu” solipsista, fazendo com que à pergunta “kantiana sobre como ‘eu’ devo agir se modifica para a pergunta habermasiana sobre como ‘nós’ devemos agir” (HAMEL, 2011, p. 165). Ao ultrapassar os limites de uma filosofia da consciência a ética do discurso introduz não apenas a noção de sujeito comunicativo e uma proposta de uma ética do “viver bem” entre indivíduos capazes de linguagem e ação (PIZZI, 1994), mas também reconfigura a ideia de esfera pública, que é por definição pluralista “consubstanciando, ainda, uma realocação do direito moderno aliado a uma nova função, qual seja, a de garantir as regras democráticas de participação popular” (HAMEL, 2011, p. 165).

            A ética do discurso trouxe contribuições importantes para se pensar a contemporaneidade, ao pensar um mundo que é compartilhado intersubjetivamente, com implicações na realidade social, política e até mesmo educacional – para uma análise da aplicação da teoria do agir comunicativo no âmbito pedagógico veja em nosso website o texto: A ação educativa na perspectiva da teoria do agir comunicativo. Todos os sujeitos são vistos como capazes de falar e agir e como membros de uma comunidade linguística em um “mundo da vida” compartilhado intersubjetivamente. Essa mesma teoria crítica abre espaço para que cada membro desta comunidade assuma o compromisso com a participação na prática cotidiana do mundo da vida.

            Além disso, a ética do discurso, tal como definida por Habermas, tem por objetivo a construção de relações comunicativas, participativas e solidárias, tendo a linguagem como meio de integração social, sendo inclusive uma proposta para uma ética do “viver bem” e da “felicidade”.

 

Referências Bibliográficas

CARMO, Luís Alexandre Dias. Ética do discurso: fundamentação e relação entre moral e direito. Argumentos, Ano 3, N°. 5, p. 14-22, 2011. Acessado em 15/10/2015.

CENCI, Angelo V. A Controvérsia entre Habermas e Apel acerca da relação entre moral e razão prática na ética do discurso. Tese (Doutorado em Filosofia). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas. Campinas-SP: 2006. Acessado em 15/10/2015.

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. Vol. I & II.

HAMEL, Marcio Renan. Da ética kantiana à ética habermasiana: implicações sociojurídicas da reconfiguração discursiva do imperativo categórico. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 14, n. 2, p. 164-171, jul./dez. 2011. Acessado em 15/10/2015.

MACEDO, Elizabeth F. Pensando a escola e o currículo à luz da teoria de J. Habermas. Em Aberto, Brasília, ano 12, n. 58, p. 38-44, abr./jun., 1993. Acessado em 12/10/2015.

OLIVEIRA, Paulo César de. A ética da ação comunicativa em Jürgen Habermas. Revista Estudos Filosóficos, n. 01, p. 14-22, 2008.

OLIVEIRA, M. A.; MOREIRA, L. Com Habermas, contra Habermas: direito, discurso e democracia. Tradução de Cláudio Molz. São Paulo: Landy, 2004.

PIZZI, J. Ética do discurso: a racionalidade ético-comunicativa. Porto Alegre, EDIPUCRS, 1994.

POLLI, José Renato. Habermas: agir comunicativo e ética do discurso. Jundiaí, SP: Editora In House, 2013.

RAUBER, Jaime José. O problema da universalização em ética. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999.

STEFANI, Jaqueline. Considerações sobre a ética do discurso. Controvérsia, v.1, n.1, p. 66-73, jan-jun 2005. Acessado em 15/10/2015.

VELEZ CUARTAS, Gabriel Jaime. Semiótica y acción comunicativa: una ruta entre Pierce, Apel y Habermas. Andamios [online], vol.1, n.2, p. 173-195, 2005. Acessado em 20/10/2015.

VELASCO, M. Ética do discurso: Apel ou Habermas? Rio de Janeiro: FAPERJ; Mauad, 2001.

ZANELLA, Diego Carlos. A ética comunicativo-discursiva de Jürgen Habermas. Thaumazein, Santa Maria, ano V, n, 10, pp. 131-149, dez./2012. Acessado em 14/10/2015.



[i] Para uma análise das diferenças entre Apel e Habermas, no modo em que cada uma deles concebe seu projeto filosófico de uma ética do discurso, a partir de uma pragmática transcendental (Apel) ou uma pragmática universal (Habermas), veja os artigos: Luís Alexandre do Carmo (2011); Jaqueline Stefani (2005); Diego Zanella (2012); a Tese de Doutorado de Angelo Cenci (2006); e as obras de Velasco (2001); Oliveira e Moreira (2004).

 

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