Os prefeitos e o alto risco da gestão municipal

Novos prefeitos tomaram posse neste mês de janeiro (que já finda) e outros foram reconduzidos para os cargos. Os que foram reeleitos, por certo reassumiram as respectivas municipalidades já com o peso expressivo de algumas dúzias de processos contra si. Essa é a rotina em relação à qual, lastimavelmente, os gestores municipais ainda não buscaram saídas de cautela. Na sua maioria, trabalham na linha de risco; apostam na defesa, onerosa, complexa, de desgaste pessoal e político, ao invés da prevenção.

E aqueles que pela primeira vez comandam a prefeitura, que se preparem: ou modernizam a gestão, ou serão os próximos a responder ações de todos os tipos nos próximos meses; muitos, daqui a quinze anos, ainda estarão com os bens particulares indisponíveis e com a velhice, momento de serenidade, comprometida por defesas judiciais ou até mesmo prisão.

Lembramos de um casal que viajava em confortável automóvel, quando um caminhão, com toneladas de carga, aproximou-se de uma via preferencial. A mulher advertiu: “O caminhão não vai parar”. O marido retrucou: “Ele tem de parar, pois eu tenho a preferência. Eu estou com a razão”. O caminhão não parou. E a mulher sobreviveu para contar a história e explicar que seu cônjuge morreu, apesar de ter a razão a seu favor. Então, não bastam as boas intenções, é insuficiente que o gestor seja honesto. Se ele não se cercar de mecanismos eficientes de segurança, será mais um a ser atropelado pelas diversas variáveis que aparecem no caminho.

Instrumentos de controle

A Administração Pública é cercada por instrumentos de controle que, muitas vezes, são desconhecidos dos agentes, sejam servidores, sejam políticos. É importante, então, que se saiba que há, para resguardar a regularidade do serviço público, o seguinte sistema:

  • Controle interno
  • Controle externo
  • Controle judicial
  • Controle social

Só por esse mapa, já se vê que a autoridade não está sozinha no exercício das suas atividades. Existe, à sua volta, uma ampla estrutura de vigilância. Erra aquele que acredita que, investido de autoridade, tudo pode. Ao contrário, pode menos do que um cidadão comum. Este, afinal, é absolutamente livre. É capaz de fazer absolutamente tudo o que a lei não lhe proíbe. Já o administrador público – como todo funcionário público – só pode fazer aquilo que a lei lhe autoriza e da forma que a lei comanda.

Pontos vulneráveis

Todo gestor precisa estar atento aos pontos vulneráveis da Administração. São eles:

  • Licitações – Dizem respeito direto ao emprego de recursos públicos. Não realizar licitação, quando a lei a exige, é crime. Fazê-la de forma irregular pode, igualmente, abrir um leque de responsabilidades. A maior parte das condenações de prefeitos tem relação nesse ambiente.
  • Contratos – Feita a licitação, virá a execução do contrato. Cuidado! A lei manda nomear fiscal para acompanhar. Não o fazendo, o gestor atrai para si toda a responsabilidade pelos prejuízos que decorrem da má-execução. A lei ordena, ainda que, executado o contrato, seja nomeado um funcionário para oficialmente declarar o recebimento do objeto. É a ausência dessa nomeação (sem alguém que ateste a qualidade do objeto) que gera escândalos, como as frequentes notícias de merenda escolar estragada e medicamentos com prazos de validade vencidos. Por outro lado, quem é o fiscal? O que ele faz? Quais são as suas responsabilidades? Se isso não for definido, em harmonia com o que diz a lei, abre-se a porteira para escândalos e processos.
  • Responsabilidade fiscal – É sabido que a impropriamente chamada Lei de Responsabilidade Fiscal trouxe um novo elenco de atribuições ao gestor. Na verdade, no seu primeiro artigo, a lei indica o ponto de cautela: ela não é lei de responsabilidade fiscal, mas é lei de responsabilidade do gestor na gerência fiscal. Portanto, o gestor é quem deve ficar atento aos seus comandos, em razão da responsabilidade direta que lhe será cobrada.
  • Disciplina – A administração da disciplina no serviço público historicamente é um caos. Assim o é também nas esferas estadual e federal. O administrador no Município deve cuidar dessa área, por duas razões: a) a sua omissão é improbidade administrativa; b) o descuido com a política para esse setor pode levar à quebra de hierarquia e à falta de controle sobre os funcionários.
  • Recursos humanos – Muitas pessoas se referem à Administração Pública como máquina administrativa. Não é máquina, é serviço. Máquina tem parafusos, engrenagens, peças de impulsão mecânica. Serviço tem gente. O gestor que não idealizar uma boa política de recursos humanos – que tratar o funcionário como equipamento – corre, no mínimo, riscos de resultado.
  • Comunicação – O outro ponto vulnerável é a má comunicação com a sociedade. É grande o números de competentes administradores que deixam a prefeitura praticamente linchados pelo povo. (Isso, inclusive, aconteceu com o presidente Campos Sales, que fez um grande governo para os padrões da sua época, no início do século 20, e deixou o palácio sob uma chuva de pedras.) Quantos prefeitos passaram por essa experiência recentemente?

Em 30 anos de advocacia, o que mais me impressiona é quando um prefeito, desesperado, bate às portas de Brasília “precisando resolver urgente” um problema que já era previsível desde que começou o mandato.

O administrador que, no seu Município, estabelecer políticas próprias para essas áreas estará, certamente, prevenindo responsabilidades pessoais e, de igual importância, dando qualidade ao seu ofício. Mas esse é um serviço para profissionais; sob a orientação de especialistas.

As empresas modernas investem em consultorias preventivas e em gerenciamento de riscos; e quando for o caso, em defesas realizadas por advogados qualificados (e em todos os Estados há). O administrador municipal, guiado pelo princípio da eficiência, precisa fazer o mesmo. Foi-se o tempo em que se governava com o instinto; em que se decidia por palpite; em que se controlava com o olho.


 

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publicado originalmente via Jusbrasil

Por Léo da Silva Alves

jan. 2017