Lavagem de dinheiro

O delito de lavagem de dinheiro pode ser definido como uma ação de mascaramento, escamoteamento, do produto do crime onde, por meio de atividades econômicas, pretende-se dar aparência de licitude do recebimento de dinheiro para que, depois, possa retornar à economia e ser usufruído como se legítimo fosse.

A lavagem de dinheiro é um delito previsto pelo direito penal que viola a administração da justiça. Considerada crime, procura-se impedir que organizações criminosas possam aproveitar os ganhos do crime ou impedir que essa ação gere algum tipo de lucratividade ao autor do delito, sobretudo que retorne a economia formal com ar de legalidade.

Para mascarar a origem de um dinheiro, é comum ver a compra de imóveis em nome de outrem (os chamados “laranjas”), ou a compra de obras de arte e jóias sem identificação do adquirente, ou aplicar o dinheiro em atividades financeiras de “fachada”, sempre com o intuito de ocultar a origem do patrimônio ilegal.

 

Lavagem de dinheiro: crime permanente e a responsabilidade dos agentes colaboradores

 

A Lavagem de Capitais, em face da sua complexidade, é um delito que permite um rico debate em torno de sua estrutura em relação à dogmática penal.

Assim, uma questão interessante é a complexidade em torno da natureza do delito quanto a sua consumação, se estamos diante de um crime instantâneo ou permanente, e quais consequências são desencadeadas a partir dessa compreensão.

É sabido por todos, que os crimes quanto a sua consumação, são classificados em instantâneos ou permanentes.

Sendo considerados instantâneos aqueles cuja consumação se verifica em um momento determinado, sem continuidade no tempo, em que se consumam com a provocação de determinado estado ou resultado, como ocorre no furto e no roubo (art. 155 e 157 do CP).

Por outro lado, os crimes permanentes, são aqueles cuja consumação se protrai no tempo, estendendo-se por um período, os crimes de gerúndio, que estão acontecendo, como a extorsão mediante sequestro (art. 159 do CP) (SANTOS, 2017).

No tocante a lavagem de dinheiro, existe na doutrina e jurisprudência forte tendência por reconhecer sua natureza permanente em face do verbo ocultar, constante do caput do art. da lei 9.613/98, por entende que nessa modalidade enquanto o bem permanecer ocultado à execução continua em andamento (BADARÓ; BOTTINI, 2017).

É importante pontuar, que não é possível concordar com tal posicionamento, visto que a ocultação ou dissimulação não é do objeto “dinheiro”, mas sim, da origem ilícita de sua obtenção, revelando que estamos diante de um crime instantâneo, tornado o delito consumando no ato de sua prática, que é a ocultação da origem do ativo.

Nesse sentido, Badaró; Bottini (2017, p.105) afirmam que “é possível interpretar o ato de esconder como um delito instantâneo, consumado no momento da ocultação ou dissimulação, e perceber a permanência nesse estado como mera consequência natural da conduta original.

O crime se consumaria com a ação de esconder, e a manutenção da ocultação seria um efeito permanente do comportamento inicial”.

No entanto, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) na Ação Penal 863, pelo crime de lavagem de capitais, a 7 anos, 9 meses e 10 dias de reclusão, em regime inicial fechado, reconhecendo em seu julgamento que a lavagem de capitais é crime de natureza permanente, evitando assim, o reconhecimento da prescrição e da consequente extinção de punibilidade no caso Maluf.

Assim, o que aparentemente seria uma questão acadêmica, a pergunta sobre a natureza do crime de lavagem de dinheiro tem importantes efeitos práticos, quando respondido positivamente, revela que será diferente o tempo da prescrição do crime e também distinta será a incidência das alterações da nova lei para fatos aparentemente passados.

No entanto, é importante alertar aos nossos leitores, que a natureza consumativa de um crime, classificados em instantâneos ou permanentes, para além de determinar o momento de sua consumação, e consequentemente interferir no reconhecimento da prescrição e aplicação de eventuais inovações legislativas, no caso da lavagem de capitais, possui efeitos práticos outros relevantes, a demandar maior reflexão.

Em sendo a lavagem um delito permanente, conforme reconhecido pelo STF na Ação Penal 863, significar dizer que o período em que a consumação se protrai no tempo, permite a possibilidade de ingresso de novas pessoas na prática delitiva, seja como coautor ou participe em face do tempo do crime, aderindo à conduta criminosa iniciada por outrem.

Pois bem senhores, é conhecido por todos que a lavagem de capitais inseriu na realidade brasileira, a necessidade de sistematização de regras que convocam uma série de profissionais e organizações empresariais a colaborarem com a prevenção e o combate a essa modalidade delitiva, as chamadas obrigações correlatas previstas entre os art. 9 e 13 da Lei 9.613/98, ficando evidenciada, nesse momento, a atenção para a responsabilidade penal, em caso de inobservâncias dessas obrigações, uma vez que a lavagem de capitais na modalidade ocultação, não se consuma instantaneamente.

As obrigações e deveres de identificação e comunicação de operações financeiras suspeitas normatizadas na legislação brasileira (art. 11 da Lei 9613/98), em que pese à previsão expressa de sanção administrativa em caso de descumprimento, impõe agora, diante da natureza de crime permanente, análise aprofundada das implicações jurídicas decorrentes de sua inobservância no campo da imputação da responsabilidade penal.

A lei de lavagem institui um dever de compliance para as pessoas sujeitas aos mecanismos de controle, vale notar que a determinação normativa não objetiva instituir mecanismos internos para evitar a pratica de lavagem de dinheiro, mas apenas de organizar estruturas capazes de manter registro de informações e de notificação de atividades suspeitas (BADARÓ; BOTTINI, 2017, p.145).

O descumprimento das regras existentes no art. 11 (comunicação de operações financeira), considerando o crime de lavagem de capitais permanente, significar dizer que no momento em que surge o dever de comunicação de uma operação financeira realizada, o obrigado (art. 9º) encontra-se diante de um crime de lavagem em andamento, portanto, em execução, a inobservância de seu dever nessas circunstancias, revela uma problemática, que é a possibilidade de imputação penal do crime de lavagem praticado por terceiros, na modalidade de cumplicidade em face ao descumprimento dos deveres de colaboração com a prevenção a lavagem, por auxiliar a manutenção delitiva.

Nessa seara, a cumplicidade como forma de participação, apresenta-se como figura de relevância importância, uma vez que os agentes colaboradores com o sistema de prevenção da lavagem de dinheiro, no caso de descumprimento de seus deveres, podem concretamente está contribuindo com fato típico alheio, ainda em andamento.

Sendo assim, a questão do descumprimento, atrai necessariamente a análise das ações neutras, em função da possibilidade de imputação penal ao profissional por cumplicidade, através de sua colaboração a fato típico alheio pelo mero exercício de sua atividade profissional.

Portanto, para além de permitir dilação de tempo para contagem da prescrição e aplicação de inovações legislativas, o fato de ser permanente o crime de lavagem, implica que a atuação desses agentes colaboradores com a prevenção desse delito ganha novas cores, aprofundando uma inaceitável insegurança no desenvolvimento das atividades profissionais no contexto de seu desenvolvimento socioeconômico.

As atitudes cotidianas, a qual importa no simples e corriqueiro atuar profissional, exige maior cautela no cumprimento da prestação de informações de operações financeiras aos órgãos estatais de prevenção e combate a lavagem, inaugurando, talvez, uma era de hipervigilância e delação, sob pena de imputação a esses profissionais, na modalidade cumplicidade, o crime de lavagem de capitais.


REFERÊNCIAS

BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à lei 9613/1998, com alteração da Lei 12.683/2012. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.

SANTOS, Juarez Cirino. Direito Penal. Curitiba: Lumen Juris, 2017.

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O texto Lavagem de dinheiro: crime permanente e a responsabilidade dos agentes colaboradores foi publicado através do Canal Ciências Criminais

por Ricardo do Espírito Santo