Liberalismo Econômico

            O princípio da liberdade dos indivíduos, aplicada à vida cotidiana e nas relações políticas, também foi defendido por vários autores no âmbito da economia. Nesse sentido os trabalhados de Adam Smith (1996, vol I e II) e David Ricardo configuram os mais importantes trabalhos de uma teoria econômica clássica baseada em princípios marcadamente liberais. Em sua principal obra, A riqueza das nações, Smith defende a ideia de que a economia de mercado funciona melhor quando não depende da interferência do governo. “A liberdade no mercado significa liberdade de escolha: que as empresas possam escolher que produtos fabricar; que os trabalhadores possam escolher para quem trabalhar; e que os consumidores possam escolher que produtos ou serviços consumir” (HEYWOOD, 2010, p. 60).

Disponível em: APUNTES DE HISTORIA UNIVERSAL

Acessado em 29/10/2015

            Além de Smith e Ricardo, a escola dos fisiocratas, dos quais foram membros François Quesnay, Anne Robert Jacques Turgot e Vincent de Gournay (todos do século XVIII), também contribuíram para o desenvolvimento das ideias do liberalismo econômico. A escola dos Fisiocratas de economia foi a primeira a ver o trabalho como a fonte de valor e, mais especificamente, o trabalho agrícola. De onde a origem do termo “fisiocracia” (physys = natureza; cracia = governo): os fisiocratas desenvolveram uma teoria econômica onde acreditavam que a riqueza das nações era derivada unicamente do valor de “terras agrícolas” ou do “desenvolvimento da terra”. É preciso considerar que na época em que fisiocratas estavam formulando suas ideias a economia era quase totalmente agrária, o que justifica sua ênfase no trabalho agrícola. Foi Vincent de Gournay quem acrescentou as atividades comerciais e industriais às atividades agrícolas como fonte de riqueza. E todas, atividades agrícolas, comerciais e industriais deveriam usufruir de liberdade para se desenvolver e obter o acúmulo de riquezas.

            Mas foi Adam Smith, considerado o grande precursor da economia, quem desenvolveu a teoria do liberalismo econômico. Smith confrontou as ideias de Quesnay e Gournay, afirmando que a prosperidade econômica e a acumulação de riquezas não são concebidas pela atividade rural ou comercial, mas na possibilidade de um trabalho livre sem ter o Estado como interventor ou regulador.

            Vemos assim que, de modo geral, a ideia central do liberalismo econômico é a defesa da liberdade de ação produtiva e por conseguinte emancipação da economia. Com raízes nas ideias liberais defendidas pelos fisiocratas, o liberalismo econômico surge na Europa e na América no final do Séc. XVIII associado ao liberalismo político nascido nas Revoluções Americana e Francesa. Segundo o liberalismo econômico, devem ser priorizadas a liberdade de iniciativa econômica, a livre circulação da riqueza, a valorização do trabalho humano e a economia de mercado (defesa da livre concorrência, do livre cambismo e da lei da procura e da oferta como mecanismo de regulação do mercado), opondo-se assim ao intervencionismo do Estado e à adoção de medidas restritivas e protecionistas defendidas pelo Mercantilismo.

            Do que vimos até agora podemos apontar como sendo algumas das principais características do liberalismo econômico: o individualismo; a ideia de livre mercado (liberdade econômica); um governo limitado (participação mínima do Estado nas questões econômicas da nação); e acrescente a isso a defesa da propriedade privada.

            Com base na ideia de livre mercado, o liberalismo econômico acredita na ideia de que o mercado e o próprio sistema criariam suas regras de funcionamento, e por isso defendem a ideia de um Estado mínimo, que não fizesse qualquer intervenção no mercado e na economia. De certo modo acreditam que as leis econômicas e financeiras são como as da física ou da matemática[1]: elas têm uma certa ordem e são autoreguladoras, de modo que se bastam para repor no seu devido lugar qualquer desorganização momentânea da economia e isto sem a intervenção do Estado. O próprio mercado era o grande regulador de tudo e por isso não há a necessidade de intervenção do Estado. A livre concorrência entre os produtores e o poder de organização da iniciativa privada devem agir, portanto, livremente.

No Estado liberal típico dos países capitalistas centrais o que se esperava, de acordo com a ideologia econômica preponderante, era um Estado que devia ser mínimo, apenas intervindo na vida social e no mercado para assegurar as condições estritamente necessárias para que a sociedade e a economia atuassem por si sós (COELHO, 2006, p. 180).

            A característica e defesa do Estado mínimo, deixando à “mão invisível do mercado” a regulamentação das relações econômicas foi que deu origem a expressão “laissez faire laissez passer le monde va de lui même” (deixe fazer, deixe passar, que o mundo caminha por si mesmo) (CENCI; BEDIN; FISCHER, 2011).

            A crise do modelo liberal com experiências de Weimar em 1919, na Alemanha e do New Deal, em 1929, nos Estados Unidos, demonstraram a necessidade de regulação da economia, sobretudo para a garantia e proteção dos direitos sociais dando origem ao que poderíamos chamar de um modelo de Estado intervencionista, base do Estado social. Estes exemplos, aliados a inúmeros outros, têm servido de base para sustentar a ideia de que um modelo de Estado liberal no sentido restrito do termo é impossível de se realizar. Em algum momento, motivado por diferentes fatores, o mercado irá exigir a intervenção do Estado na economia.

            A Constituição de Weimar ao adotar uma espécie de “compromisso constitucional” ou “constitucionalismo social” teve como principal objetivo: “impedir as aspirações revolucionárias de uma parte do operariado alemão, mesmo depois da derrota do movimento Spartakista, em 1918, que desejava instalar na Alemanha um Estado Socialista nos moldes da Revolução Russa de 1917” (CENCI; BEDIN; FISCHER, 2011, p. 85). E ao se opor a tese liberal de autonomia das forças econômicas a Constituição de Weimar lançou as bases do estado social e de uma democracia social, em oposição ao estado de direito liberal, integrando a economia na esfera política e criando princípios constitucionais para a intervenção do Estado nos domínios social e econômico (AVELÃS NUNES, 2011; BERCOVICI, 2004).

Tratou-se, então, de um instrumento catalisador e legitimador de promoção da justiça social, que atribuiu ao Estado a promoção de políticas econômicas, obrigando-o a fomentar e realizar ações concretas para possibilitar a maior igualdade possível entre os indivíduos (CENCI; BEDIN; FISCHER, 2011, p. 88).

Disponível em: HISTORIA DEL MUNDO CONTEMPORÁNEO. Acessado em 01/11/2015.

           

            Por outro lado, a grande depressão de 1929[2] promoveu um forte abalo na confiança do modelo de Estado liberal. E o plano de governo para evitar o colapso do capitalismo conhecido como New Deal consistiu de uma estratégia para superar a crise que se sucedeu após a quebra da bolsa de Nova York em 1929 (HOBSBAWN, 1995). Com o plano econômico New Deal uma série de medidas foram tomadas pelo Estado de cunho social e regulatórias da economia desde atribuição de subsídios governamentais aos desempregados, desvalorização da moeda americana, instituição do salário mínimo, reconhecimento da liberdade de organização sindical, entre outros (AVELÃS NUNES, 2011).

            A crise de modelo de Estado liberal levou vários autores a formular críticas a esta concepção. Vale salientar que do lado oposto ao liberalismo e capitalismo, temos o socialismo e comunismo que defender uma intervenção direta por parte do Estado, como é o caso do socialismo, sendo que este nada mais do que uma transição para um outro modelo de organização econômica, o comunismo, cujo ápice do seu sistema seria a abolição da propriedade privada, da divisão de classes e do próprio Estado.

            No meio termo destas escolas temos, entre outras, as ideias de John Maynard Keynes (1883-1946) que, sem ser socialista ou liberal, fez suas críticas ao liberalismo econômico entendido como as teorias e práticas econômicas fundamentadas na máxima do laissez-faire. Como este, no entanto, é um assunto para outro artigo, remetemos o leitor que queira aprofundar este tema para o texto de Pedro Fonseca (2010): Keynes: o liberalismo econômico como mito, ou veja em nosso website a seção dedicada ao pensamento de John Maynard Keynes.

 

Referências Bibliográficas

AVELÃS NUNES, Antonio José. Aventuras e desventuras do Estado Social. Revista da Fundação Brasileira de Direito Econômico, vol. 3, n. 1, 2011. Acessado em 25/10/2015.

BERCOVICI, Gilberto. Constituição e Estado de exceção permanente: Atualidade de Weimar. Rio de Janeiro: Azougue, 2004.

CENCI, Ana Righi; BEDIN, Gabriel de Lima; FISCHER, Ricaro Santi. Do liberalismo ao intervencionismo: o Estado como protagonista da (des)regulação econômica. Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Curitiba, n. 4, p. 77-97, Jan-Jun. 2011. Acessado em 25/10/2015.

COELHO, André Felipe C. O estado liberal: entre o liberalismo econômico e a necessidade de regulação jurídica. Revista Jurídica UNIGRAN, Dourados, v. 8, n. 15, Jan./Jun. 2006. Acessado em 24/10/2015.

DUMONT, Louis. O individualismo. Uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Trad. A. Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Keynes: o liberalismo econômico como mito. Economia e Sociedade, Campinas, v. 19, n. 3 (40), p. 425-447, dez. 2010. Acessado em 26/10/2015.

HOBSBAWN, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914–1991. São Paulo: Companhia das Letras. 1995.

ROTHBARD, Murray N. A Grande Depressão Americana. Tradução de Pedro Sette-Câmara. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2012.

SANT’ANNA, Ivan. 1929: quebra da bolsa de Nova York: a História real dos que viveram um dos eventos mais impactantes do século. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2014. [recurso digital].

SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural, 1996. Vol. I

____. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural, 1996. Vol.  e II.


[1] Defende-se, a partir de então, a teoria segundo a qual a economia está sujeita a leis naturais que a levam fatalmente a uma situação de equilíbrio entre os integrantes do mercado, com frutos positivos para toda a sociedade, que será rica se os seus integrantes o forem. A economia começa a se separar progressivamente não somente da política como também da moralidade: ela impõe uma moralidade própria, segundo a qual a atividade econômica seria naturalmente orientada para o bem, de modo que não poderia ser julgada segundo critérios morais vigentes em uma sociedade (DUMONT, 2000, p.95 apud COELHO, 2006, p. 181)

[2] Para uma análise detalhada da grande depressão americana, o boom inflacionário de 1921-1929, o programa do New Deal veja a obra de Murray Rothbard (2012): A Grande Depressão Americana; a obra de Ivan Sant’anna: 1929. Para Ivan Sant’anna, “a história econômica americana do século passado pode ser dividida em duas partes, antes e depois de outubro de 1929, mês em que terminou o sonho dourado e ilusório dos ‘esfuziantes anos 20’ (The Roaring Twenties), quando, nos Estados Unidos, muitos acreditavam no surgimento de uma sociedade em que todos seriam ricos” (2014, p. 9).

 

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Para aprofundar ainda mais o estudo sobre o liberalismo econômico do ponto de vista das ideologias políticas, veja em nosso website o texto: Ideologias Políticas.