Políticas Públicas e Conselho Municipal de Saúde: desafios da democracia deliberativa em Parintins

PROJETO DE PESQUISA (PIBIC/FAPEAM/UFAM) REALIZADO EM 2014/2015

 

INTRODUÇÃO

 

 

A área de Políticas Públicas consolidou na última metade do século XX um corpo teórico próprio e um instrumental analítico voltado para a compreensão de fenômenos de natureza político-administrativa, assim como a medicina o faz com os problemas do organismo, a física com as leis do movimento etc. Os conhecimentos produzidos na área de Políticas Públicas vêm sendo largamente utilizado por pesquisadores, políticos e administradores que lidam com problemas públicos em diversos setores de intervenção e nas mais diferentes áreas: Ciência Política, sociologia, economia, Administração Pública, direito etc (RODRIGUES, 2011; SECCHI, 2012).

Considerando que o Estado Democrático de Direito é o principal responsável por implementar Políticas Públicas que possam garantir a efetividade dos direitos: civis, políticos, sociais, humanos e, considerando o princípio da Gestão Democrática e os mecanismos constitucionais de participação popular na ingerência da res publica (coisa pública), essa implementação não pode ou não deve ficar somente à cargo da Administração Pública.

A eficiência com que tais políticas públicas podem ser implementadas depende não apenas do gestor público ou da capacidade do Estado para executá-las, mas também depende da participação popular: na formulação, fiscalização e controle de tais políticas. E nos últimos anos, no Brasil, tem-se observado um amplo movimento de participação da sociedade civil na implementação e controle das políticas públicas através dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas.

Durante a década de 90, pôde-se observar o surgimento, na sociedade brasileira, de diversos conselhos, em âmbito nacional, estadual e municipal, nas mais diversas áreas: Saúde, educação, assistência social, defesa de direitos da criança e adolescente, meio ambiente, habitação e Cidade etc. Essa proliferação de espaços institucionais (conselhos, fóruns, conferências) de participação foi acompanhada de diversas reflexões teóricas nas Ciências Sociais, especialmente no que se refere ao papel desempenhado pela sociedade civil na consolidação e no aprofundamento da Democracia (AVRITZER, 1994; 2003; COSTA, 1997; GOHN, 1997; SANTOS, 2002; MOURA e SILVA, 2008).

No que diz respeito aos conselhos gestores de políticas públicas podemos dizer que estes surgem a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 que prevê, no capítulo da Seguridade Social, como um dos objetivos, “o caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados” (BRASIL, 2001, art.º 194). Foi a Constituição de 88, denominada de “Constituição Cidadã”, que trouxe inovações significativas no campo da Democracia, ao instituir espaços de participação popular na formulação, gestão e controle das Políticas Públicas.

A verdade é que a Democracia Representativa, onde a sociedade escolhe, por meio do sufrágio universal, àqueles que devem representar seus interesses e gerir a res publica não tem cumprido com o seu papel e um novo modelo de participação democrática tem sido defendido por um grande número de pensadores (filósofos, sociólogos, cientistas políticos) na contemporaneidade. O modelo atual de Democracia no Brasil, que Boaventura de Sousa Santos chama de democracia liberal, representativa, “não garante mais que uma democracia de baixa intensidade baseada na privatização do bem público por elites mais ou menos restritas, na distância crescente entre representantes e representados e em uma inclusão política abstrata feita de exclusão social” (2002, p. 32). Daí a necessidade de se pensar novos modelos, como a Democracia Deliberativa ou a Democracia Participativa, “protagonizada por comunidades e grupos sociais subalternos em luta contra a exclusão social e a trivialização da cidadania” (ibidem, p. 32). Entre a Democracia Direta e a Representativa temos a Democracia Deliberativa e a Democracia Participativa. Esta última podendo ser definida como uma forma de governo em que a sociedade deve tomar para si os espaços de poder, criando mecanismos de participação efetiva da sociedade nestes espaços (GALVÃO; MEFFE, 2010).

Um desses espaços são precisamente os Conselho Gestores de Políticas Públicas. Os conselhos surgem como um novo espaço de participação da sociedade civil. Os conselhos gestores “tratam-se de canais de participação que articulam representantes da população e membros do poder público estatal em práticas que dizem respeito à gestão de bens públicos” (GOHN, 2001, p. 7). A existência desses conselhos cria condições para que a sociedade civil participe, junto com o Poder Público, da elaboração e definição de Políticas Públicas. “Agora a cidadania política transcende os limites da delegação de poderes da democracia representativa e expressa-se por meio da democracia participativa, da constituição de conselhos paritários, que se apresentam como novo locus de exercício político” (CAMPOS; MACIEL, 1997, p. 145 – grifo nosso).

É diante destas novas e diversas possibilidades no campo da política que esta pesquisa terá como objeto de estudo a participação popular dos cidadãos parintinenses no âmbito do Conselho Municipal de Saúde (CMS/PIN), enquanto atores sociais que devem contribuir com o Poder Público na formulação e implementação de políticas públicas na área da Saúde em Parintins. A partir deste eixo norteador este projeto irá se concentrar em uma das principais funções de um conselho gestor de políticas públicas que é a função deliberativa que refere-se à prerrogativa dos conselhos de decidir sobre as estratégias utilizadas nas políticas públicas de sua competência (CGU, 2012) e, para tal, devemos nos aprofundar e pesquisar também o conceito de democracia deliberativa tal como defendido por Habermas em sua teoria do agir comunicativo, entendendo-a como método para formação de decisões coletivas por meio do diálogo pois, “a construção coletiva de decisões por meio do diálogo entre indivíduos politicamente iguais representa a essência da democracia deliberativa” (OLIVEIRA; PEREIRA; OLIVEIRA, 2010, p. 423)

Em tempos de crise da representatividade Dahl (2000) aponta para um paradoxo: apesar de ser constatado um declínio na confiança dos cidadãos nas instituições políticas democráticas, a confiança e o desejo pela democracia em si continuam elevados. Com efeito, são poucos os países hoje em dia que não se pretendem democráticos. A Democracia continua sendo o modelo “ideal” de governo para o século XXI. Mas seus mecanismos têm se mostrado limitados e deficientes. Daí a necessidade de se (re)pensar a prática democrática e sua viabilidade concreta. Por isso recentemente vem surgindo um movimento social e intelectual que visa recuperar o núcleo original da prática democrática, ou seja, a participação direta da sociedade civil no processo decisório (COSTA, 2002). Dentre estas práticas vamos nos concentrar, para efeito desta pesquisa, como já mencionamos, principalmente no modelo de democracia deliberativa habermasiano.

Habermas propõe sua teoria da ação que tem como base uma compreensão dialógica (relação entre ao menos dois sujeitos capazes de falar e de agir) e um modelo de interação social. Toda esfera pública no âmbito da democracia pressupõe o diálogo (agir comunicativo) e, no cenário atual, onde vemos surgir diversos espaços de deliberação/discussão, como é o caso dos conselhos gestores de políticas públicas, é necessário um agir baseado na busca do entendimento. “O esforço filosófico de Habermas representa, a meu juízo, o mais ambicioso projeto de oferecer uma base de legitimação à democracia a partir das práticas sociais da comunicação e do entendimento” (BRAYNER, 2009, p. 216).

A nosso ver, um Conselho é um locus de exercício da democracia deliberativa: um espaço decisório por parte do Estado de forma ampliada e pública com a participação da sociedade; os atores sociais (governamentais e não governamentais) devem trazer informações para que a deliberação contemple plenamente os problemas políticos envolvidos e tais informações devem ser partilhadas e discutidas, isso é, os arranjos deliberativos presumem que as informações ou soluções mais adequadas não são a priori detidas por nenhum dos atores e necessitam serem construídas coletivamente; a racionalidade ou a eficiência é gerada de forma descentralizada e a posteriori; e, por fim, a legitimidade das decisões coletivas deriva de procedimentos deliberativos do qual participam aqueles que possivelmente serão afetados pelas decisões, também chamado de “procedimentalismo participativo” (HABERMAS, 1997; SANTOS, 2002).

Desta forma, podemos dizer que o eixo norteador central desta pesquisa será verificar se o CMS efetivamente delibera sobre as políticas públicas de saúde e como as deliberações (no sentido habermasiano da teoria do agir comunicativo) do CMS influenciam as decisões políticas do Poder Público em Parintins.

 


JUSTIFICATIVA

 

A área de Políticas Públicas ao se constituir um corpo teórico e um instrumental analítico próprio tem atraído o interesse de pesquisadores e cientistas que lidam com problemas públicos nas mais diferentes áreas: Ciência Política, sociologia, economia, Administração Pública, direito etc. Daí a importância de se estudar e analisar como um campo de conhecimento científico a execução e elaboração de políticas públicas através dos conselhos gestores de políticas públicas e, no caso específico deste projeto, a partir de sua função deliberativa, entendida como a prerrogativa dos conselhos de decidir sobre as estratégias utilizadas nas políticas públicas de sua competência.

A função deliberativa impõe aos Conselhos de Políticas Públicas um importante papel na construção e consolidação de experiências de Democracia Participativa nas Políticas Públicas. Não obstante, existem óbices muito fortes a instituição da função deliberativa dos Conselhos de Políticas Públicas.

Em nossa experiência como conselheiro do CMS de Parintins pudemos observar alguns elementos que dificultam a realização de um processo democrático à efetivação da função de deliberação, nesse caso em específico do CMS/PIN: o desconhecimento dos objetivos e funções do Conselho por parte dos seus membros; o despreparo dos atores que atuam como Conselheiros, além da ausência de um “corpo técnico” que auxilie o Conselho a operar adequadamente suas funções. Essa experiência revela a necessidade de uma observação mais sistemática que possa confirmar ou não essas questões aqui mencionadas. O fato de estarmos atuando como conselheiro no CMS/PIN e o contato com as práticas políticas no município de Parintins contribuíram para dar origem a este projeto de pesquisa.

Sabemos que os mecanismos e instituições da democracia meramente representativa têm se mostrado limitados e, além disso, temos observado uma certa fragilidade no que diz respeito a participação da sociedade civil (organizada ou não) no âmbito do Conselho Municipal de Saúde e que exige uma observação mais sistemática e científica para obter melhores resultados sobre a efetividade da participação da sociedade na formulação e implementação de políticas públicas de saúde. Esses conselhos atraem o interesse de diferentes pesquisadores pelo reconhecimento do seu potencial de maior democratização dentro dos estados burocratizados (Costa, 2002).

Além disso, é relevante toda pesquisa que envolva a participação da sociedade na formulação de políticas públicas pois, como afirma Demo (1999), a participação não é algo dado nem concedido como dádiva, mas é, sim, um processo de conquista. A conquista de participação nesses espaços significa uma mudança em termos de igualdade democrática, pois a participação da sociedade civil não se refere somente à reivindicação de direitos sociais, mas também de definição dos rumos das políticas públicas.

Analisar e pesquisar de forma científica a participação da sociedade em todos os espaços de deliberação pública deve ser um dos principais desafios do século XXI, se entendermos que a existência de uma efetiva democracia depende da articulação entre a esfera político-institucional e a esfera societária, por meio da mediação da esfera pública, na qual torna-se imprescindível a existência de atores sociais capazes de organização e atuação autônomas.

Sabemos que o campo de estudos sobre a sociedade civil e, mais especificamente, sobre as relações entre os atores sociais e o campo político-institucional ainda apresenta uma ampla agenda de investigação empírica e elaboração teórico-metodológica a ser desenvolvida. É como contribuição para esse desenvolvimento que possibilite um avanço dos futuros estudos a partir do significativo acúmulo de conhecimento já produzido até o momento que este projeto pretende ser realizado.

 

                            

OBJETIVOS

  • Avaliar o Conselho Municipal de Saúde (CMS) de Parintins enquanto órgão deliberativo e promotor de políticas públicas
  • Investigar como as deliberações do CMS/PIN influenciam na implementação de Políticas Públicas em Parintins;
  • Investigar possíveis elementos que dificultam a realização da função de deliberação do CMS/PIN;
  • Identificar quem são os cidadãos e grupos representativos do CMS/PIN que mais contribuem na implementação e elaboração de políticas públicas de saúde;
  • Aprofundar a discussão teórica em torno do conceito de Democracia Deliberativa;
  • Analisar a função de deliberação do CMS/PIN à luz do conceito de democracia deliberativa habermasiano

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

AVRITZER, L. (org.). Sociedade civil e democratização. Belo Horizonte: Del Rey, 1994.

_____. O orçamento participativo e a teoria democrática: um balanço crítico. In: AVRITZER, L.; NAVARRO, Z. (orgs.). A inovação democrática no Brasil. O orçamento participativo. São Paulo: Cortez, 2003.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 48. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015.

BORGES, Alice Gonzalez. Democracia Participativa. Reflexões sobre a natureza e a atuação dos conselhos representativos da sociedade civil. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, n. 14, jun/jul/ago, 2008.

BRAYNER, Flávio Henrique Albert. Homens e mulheres de "palavra": diálogo e educação popular. Revista Portuguesa de Educação, 2009, 22(1), pp. 207-224.

CAMPOS, Edval Bernardino; MACIEL, Carlos Alberto Batista. Conselhos paritários: o enigma da participação e da construção democrática. Serviço Social e Sociedade. São Paulo, n. 55, p. 143-155, nov. 1997.

CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa Qualitativa em Ciências Sociais. São Paulo: Vozes, 2006.

COSTA, V. M. R. Teoria democrática e conselhos de política social. In: BRAVO, M. I. S.; PEREIRA, P. A. P. (Orgs.). Política social e democracia. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002. p. 87-111.

COSTA, S. Contextos da construção do espaço público no Brasil. Novos Estudos, São Paulo, n. 47, mar/1997, p. 179-192.

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GALVÃO, Carlos Fernando; MEFFE, Corinto. Democracia: do conceito à prática; da representação à participação. São Paulo: Claridade, 2010.

GOHN, Maria da Glória. Conselhos gestores e participação sociopolítica. São Paulo: Cortez, 2001. (questões da nossa época. v. 84).

____. Teorias dos movimentos sociais. Paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Loyola, 1997.

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

MOURA, Joana Tereza Vaz de; SILVA, Marcelo Kunrath. Atores sociais em espaços de ampliação da democracia: as redes sociais em perspectiva. Revista Sociologia e Política, Curitiba, v. 16, número suplementar, ago/2008, p. 43-54.

OLIVEIRA, Virgílio C. da Silva; PEREIRA, José Roberto; OLIVEIRA, Vânia A. R. Os conselhos gestores municipais como instrumentos da democracia deliberativa no Brasil. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 8, n. 3, p. 422-437, set/2010.

TRIVINOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

RODRIGUES, Marta M. Assumpção. Políticas Públicas. São Paulo: Publifolha, 2011. (Coleção Folha Explica).

SANTOS, Boaventura de Sousa [org.]. Democratizar a Democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. Vol. 1.

SECCHI, Leonardo. Políticas Públicas: conceitos, esquemas de análises, casos práticos. São Paulo: CENGAGE Learning, 2012.

 

Acesse o relatório final do projeto através do link: Políticas públicas e conselho municipal de saúde: desafios da democracia deliberativa em Parintins/AM

 

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