Sobre ética e o capitalismo

            por Josimara Duarte de Matos

acadêmica de Administração da UFAM

postado em 2014

            O fenômeno da Globalização trouxe o mundo para um estágio sem precedentes em sua história. Jamais foi presenciado um desenvolvimento tão acelerado quanto esse iniciado na Revolução Industrial e que perdura até os dias de hoje. O Capitalismo, principal motor do avanço tecnológico e do fenômeno denominado Globalização, é, também, o responsável pelas maiores crises já enfrentadas pela humanidade, sejam elas ambientais, econômicas e, sobretudo, sociais. No mundo de hoje, onde predomina a busca insaciável por poder, consumo, desigualdade e individualismo, o indivíduo está envolto pela dúvida sobre como ser ético em um contexto social regido pelo “caos moral” fruto de uma sociedade de mercado e de consumo globalizado?

            Eis então uma questão extremamente difícil de ser respondida. Na verdade, argumentar sobre ética é uma tarefa complexa, pois seu conceito é determinado pelo contexto histórico-cultural no qual uma determinada sociedade está incluída. No entanto, neste texto, a discussão sobre ética limita-se ao contexto do mundo contemporâneo, com o intuito de mostrar o quanto o sistema vigente gera indivíduos menos interessados com as consequências de suas ações sociais e pouco preocupados com a emancipação humana, fruto da reflexão sobre a moral.

            Embora seu conceito seja variável dependendo de fatores histórico-culturais, é possível afirmar que a ética se fundamenta em valores como o bem e a liberdade. Ela é a reflexão das ações do indivíduo em relação à sociedade. A princípio, deve-se considerar que o homem é um ser social e ele age de acordo com valores sociais e culturais estabelecidos. Dessa forma, o bem e o mal, o certo e o errado, a justiça e a injustiça, são sentimentos intrínsecos à humanidade e inevitáveis dentro de um corpo social.

            É aí, então, que emerge o problema. No mundo de hoje, os valores das ações sociais estão “confusas” devido à lógica do sistema capitalista. Bem e mal, certo e errado, justo e injusto sucumbiram a um único sentimento/objetivo: sobreviver no sistema.

            Uma leitura descritiva sobre o sentimento predominante nos indivíduos dos tempos modernos pode ser verificada na obra de Marx (2008). O sociólogo alemão resume a lógica do capitalismo na busca pelo lucro e argumenta que à sociedade está imposta a obrigação de seguir as leis desse sistema.

Onde passou a dominar, destruiu as relações feudais, patriarcais e idílicas. Dilacerou sem piedade os laços feudais, tão diferenciados, que mantinham as pessoas amarradas a seus “superiores naturais”, sem pôr no lugar qualquer outra relação entre os indivíduos que não o interesse nu e cru do pagamento impessoal e insensível “em dinheiro”. Afogou na água fria do cálculo egoísta todo o fervor próprio do fanatismo religioso, do entusiasmo cavalheiresco e do sentimento pequeno burguês. Dissolveu a dignidade pessoal no valor de troca e substituiu as muitas liberdades, conquistadas e decretadas, por uma determinada liberdade, a de comércio. Em uma palavra, no lugar da exploração encobertas por ilusões religiosas e políticas ela colocou uma exploração aberta, desavergonhada, direta e seca (MARX, 2008, p.12).

            Na abordagem de Marx sobre o mundo moderno, é possível perceber que a sociedade gira em torno do capitalismo. O objetivo dos indivíduos resume-se exclusivamente na busca pelo capital. Com a sociedade dividida em duas classes, burguesia e proletariado, onde a primeira detém o poder das ferramentas de produção e à outra resta unicamente sua força de trabalho para pôr à venda: a desigualdade é predominante. Não há a reflexão sobre a moral ou, se há, é a de uma moral subordinada às relações de mercado, também chamada de “ética do mercado”. Acima de tudo, para os burgueses, está a busca insaciável pelo lucro, e, para os proletários, a luta pela sobrevivência.

            Nestas condições, a ética não pode se efetivar concretamente porque o que move o motor do sistema é a exploração; porque os homens são proibidos de se realizarem livremente; por conta da competição imposta pelo capitalismo tornar o indivíduo egoísta e incapaz de pensar socialmente.

            Mesmo que uma pessoa reflita antes da realização de suas ações, o sistema impõe barreiras intransponíveis que impedem a realização de uma atitude moral plena, e o máximo que ele pode alcançar é a realização de atos que aliviam a consciência, ações que não tem reflexo algum na sociedade e não ajudam na emancipação humana.

            Na concepção clássica, de Sócrates e Aristóteles, o sujeito ético ou moral é regido apenas pela sua consciência e não se submete aos vícios e às vontades de outros. A ética é obtida em ações que considerem o melhor para o indivíduo e para o corpo social do qual ele faz parte. Entretanto, na modernidade, esse conceito é cada vez mais difícil de ser aplicado. A sociedade é regida por leis que estão além de sua vontade. Os indivíduos são obrigados a pensar individualmente. É como se a consciência de si, para o indivíduo, tivesse se esvaído e ele passasse a agir em função do sistema.

            A liberdade, condição fundamental para a realização de ações morais, pois uma ação só pode ser analisada moralmente se o indivíduo a realizou livremente, é determinada pelo sistema. As leis, impostas sobre o prisma positivista, que apenas favorece quem comanda o sistema, é ferramenta de controle social e manutenção da exploração dos indivíduos. Dentro da sociedade capitalista, vestida pela liberdade de mercado, as pessoas são escravas do consumo.

            Na sociedade moderna, há um desconhecimento sobre o real sentido da existência humana e como agir em sociedade. Ser ético, que já foi conceituado como as ações que visam alcance da felicidade, na filosofia aristotélica; seguir a leis de Deus, para a filosofia cristã; as ações que buscam preservação do ser, na filosofia de Spinoza; por meio do dever, aprender a ser homens bons, na filosofia kantiana; o uso racional da liberdade para o alcance da “harmonia entre vontade subjetiva e vontade cultural”, na perspectiva de Hegel, e tantas outras conceituações,  agora encontra-se com o sentido perdido. Os homens, na sociedade capitalista apenas vivem.

            Jean-Paul Sartre, um dos expoentes do Existencialismo, apresenta uma reflexão sobre a ética partindo do princípio de que os homens são fadados a viver em liberdade. Dessa forma, não importam se as forças externas são mais poderosas que a vontade subjetiva, sempre há uma opção.

Se, com efeito, a existência precede a essência não será nunca possível referir uma explicação a uma natureza humana dada e imutável; por outras palavras, não há determinismo, o home é livre, o homem é liberdade. Se, por outro lado, Deus não existe, não encontramos diante de nós valores ou imposições que nos legitimem o comportamento. Assim, não temos nem atrás de nós, nem diante de nós, no domínio luminoso dos valores, justificações ou desculpas. Estamos sós e sem desculpas. É o que traduzirei dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado, porque não se criou a si próprio; e no entanto livre, porque uma vez lançado é responsável por tudo o quanto fizer (SARTRE, 1973, p.15-16).

            Essencialmente livres, segundo a concepção de Sartre, para os homens, os valores morais são subjetivos. Ser ético, para o filósofo, significa agir no mundo consciente de sua ação e das consequências proveniente delas, pois o homem tem liberdade para fazer todo tipo de escolhas. Nesse sentido, a ética é sempre uma possibilidade, depende de cada indivíduo.

            A reflexão de Sartre aponta para um cenário revelador sobre o conceito de liberdade e ética. No entanto, de acordo com a perspectiva marxista, a emancipação humana e a realização plena da moral apenas serão possíveis quando a sociedade romper com o sistema vigente, e isso só será alcançado quando os homens conseguirem enxergar o mundo como ele realmente é e o quanto eles são explorados, ou seja, quando a sociedade deixar de ser alienada.

            Ser livre plenamente e consciente são condições para ações éticas e, consequentemente, para o alcance do indivíduo humano genérico. Entretanto, na era do capitalismo, a moral da história é a moral do sistema.

 

Referências Bibliográficas

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Expressão Popular, 2008.

SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Tradução de Vergílio Ferreira. São Paulo: Abril, 1973.

 

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