A Educação em Aristóteles

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em: out. 2022

 

        Para o filósofo grego Aristóteles, o homem é um animal político, o que significa dizer que ele só pode ser definido a partir da vida em sociedade. A sociedade, no caso, a polis grega, deve ter por objetivo assegurar não apenas as condições para a sobrevivência do homem, mas igualmente as condições para a sua realização individual, pois todo indivíduo tem seu fim último ligado à polis. E aqui a educação desempenha um papel fundamental, pois é através dela que é possível desenvolver tais condições.

        Cabe ressaltar que o filósofo fundou a sua própria escola, o Liceu, depois de ter passado vários anos estudando na famosa Academia do seu mestre, Platão. Com a morte de Platão, Aristóteles viaja para Assos, na Eólida, onde o filósofo irá se casar com Pítia, a filha do rei Hérmias. “Hérmias tinha realizado a construção de uma escola platônica e Aristóteles passa a lecionar lá durante três anos. Com o assassinato de Hérmias, o filósofo se muda para Mitilene e em 342 a. C.” (ROSSI; ROSSI, 2021, p. 189). Em seguida, Aristóteles assumirá a tarefa de educar ninguém menos que o filho de Filipe da Macedônia, aquele que ficará conhecido posteriormente como Alexandre, o Grande.

        É no ano de 335 a. C. que, de volta à Atenas, Aristóteles irá fundar o Liceu. Os alunos do Liceu ficaram conhecidos como peripatéticos, porque era hábito de Aristóteles dar aulas passeando na área do jardim do Liceu conhecido como peripatos. “Todos os dias, no período da manhã, Aristóteles dava aula de filosofia aos mais adiantados e durante as tardes e noites se dedicava em cursos e lições para públicos mais abertos” (ROSSI; ROSSI, 2021, p. 189).

        Apesar de ter fundado uma escola, Aristóteles não dedicou uma obra específica para tratar do tema da educação. A questão da educação aparece esparsa nos seus escritos exotéricos (sobre retórica e dialética) e nos escritos esotéricos (sobre as temáticas mais diversas). Por isso, iremos abordar este tema da educação levando em consideração a sua relação com alguns dos mais variados temas que aparecem na obra do filósofo, como por exemplo: a educação moral, a divisão da alma, o conceito de imitação, a figura do legislador.

 

Educação Moral e a Prática de Bons Hábitos

        Destaca-se na obra de Aristóteles a educação moral pois, sendo a virtude a condição necessária para se alcançar a felicidade (saiba mais em: A Ética em Aristóteles), ela, a virtude, deve ser estimulada pela educação.

        A prática de bons hábitos (virtudes) em vista da felicidade individual (Ética, 1179b31-34) deve ser o princípio e a finalidade da educação do cidadão (Ética, 1094a26-b9) e isto desde a infância. A alma deve ser educada, abstendo-se da prática de más ações, sendo preparada para o uso do discernimento e da razão. É preciso que a excelência humana seja cultivada desde criança com o intuito de desenvolver hábitos saudáveis. Através do hábito, as ações se tornam um modo de ser, ou seja, uma qualidade, que não pode ser alcançada apenas por um único ato, mas pela repetição dos atos: “para Aristóteles a natureza humana não alcança sua plenitude apenas em um ato, mas em muitos atos e se faz necessário tempo para que os hábitos possam ser adquiridos e engendrados no ser humanos” (BERRA, 2018, p. 17).

        A virtude não é algo inato no ser humano, mas é adquirida através da prática de bons hábitos. Ser virtuoso não e algo inato no ser humano, mas a natureza dá aos homens a capacidade de se tornarem virtuosos e esta capacidade se aperfeiçoa com o hábito. O hábito de desejo e da ira, torna uma pessoa concupiscente ou irascível e, pela mesma razão, as pessoas podem se tornar moderadas ou corajosas, ou seja, praticando ações moderadas ou corajosas. Assim, é fácil entender porque o hábito é importante para a excelência ética: “As virtudes morais não se constituem no ser humano por natureza, mas pela constituição de um processo de habituação, de exercício ou autocultivo, acolhendo e habituando-se às excelências morais” (BERRA, 2018, p. 18).

 

A Divisão da Alma

        A educação deve considerar a divisão tripartite da alma (racional, irascível e concupiscível) e se dirigir, sobretudo, mas não apenas, à parte superior da alma, a parte intelectual. Mas se a parte racional da alma é superior as demais, nem por isso devemos descuidar da educação das paixões e das emoções. Eis porque Aristóteles divide as virtudes em dianoéticas (intelectuais) e éticas. Às primeiras são: sabedoria e prudência. Entre as virtudes éticas encontramos: a coragem, temperança, etc.

        Não somos apenas seres de razão, mas também de paixão, desejo, emoção. Por isso Aristóteles acredita na necessidade de lidar com o prazer, que não pode ser reduzido apenas aos desejos corporais, mas que se constitui como uma dimensão fundamental da vida humana. A educação se torna necessária, pois é preciso fazer com o que os desejos se sujeitem ao comando da parte superior da alma, ou seja, a razão.

        Fato é que o prazer e o sofrimento dirigem nossas ações. Estamos sempre fazendo algo em busca de maior prazer e para evitar o sofrimento. E o homem bom e virtuoso, é aquele que é capaz de fazer escolhas corretas e coerentes, educando suas emoções e a busca pelo desejo e pelo prazer: “Por isso, a importância de se ter bons hábitos desde cedo, visando educar o desejo para ter prazer somente com o que é correto, e consequentemente, escolher ações corretas” (BERRA, 2018, p. 20). Ser virtuoso e, mais exatamente, moderado e temperante, é controlar os impulsos do corpo e da alma, vencer os maus desejos para não desviar-se do que é correto diante do prazer e da dor: “Esse homem, para Aristóteles, merece louvor, pois age pensando em objetivos maiores do que a satisfação dos apetites imediatos” (BERRA, 2018, p. 20). Por outro lado, “quem deixa seus apetites crescerem desreguladamente, acaba vivendo sob a instigação e o comando deles fazendo com que o desejo do prazer momentâneo tome conta e não ouça a razão” (BERRA, 2018, p. 21). Deixar-se dominar pelos apetites pode levar a irracionalidade, que é quando o desejo por prazer se torna tão forte e insaciável que pode fazer com que os homens esqueçam completamente do uso da razão, comprometendo o uso da razão. Por isso, a parte apetitiva (concupiscível) de nossa alma deve viver de conformidade com a razão. Mas o desejo não deve ser eliminado, apenas ser educado, através da prática de bons hábitos. Ensinar os homens a agir desde a infância virtuosamente, pela prática do hábito, é fazer com que os homens saibam buscar o prazer (no sentido mais amplo, como dimensão fundamental da vida humana, como já dissemos) agindo corretamente.

        Pelo mesmo motivo, devemos pensar na educação das emoções. O homem bom, é aquele que sabe lidar com suas próprias emoções, pois está sempre em busca de desejar o que é correto. “Nas considerações de Aristóteles o homem bom habituou-se a desejar segundo a reta razão, que orientou as emoções, o desejo e o prazer pela adequação de hábitos corretos, e por isso, é sábio (prudente, virtuoso)” (BERRA, 2018, p. 21).

        Tanto quanto o desejo e o prazer, as emoções devem ser educadas através de bons hábitos que devem ser adquiridos desde a infância.

 

Imitação (mímese)

        O conceito de imitação pode ser considerando como central para a teoria aristotélica da educação, pois quem imita aprende. O conceito aristotélico de mímesis aplicado à Paidéia ressalta, entre outras coisas, a importância do papel exemplar do professor aos olhos do aluno. Aquele velho ditado, “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”, é não apenas ineficaz como prejudicial do ponto de vista pedagógico.

          Embora Aristóteles tenha contemplado o conceito de mímese particularmente na sua obra Poética, não se pode limitar o seu alcance apenas ao campo da literatura, da poesia ou da arte. Não há dúvida, no entanto, que é na Poética uma ampla consideração do filósofo sobre a ideia de mimese e onde ele chega a afirmar, inclusive, que o imitar e algo natural aos homens, ou seja, faz parte da natureza humana e isso desde a infância e nisto diferem dos outros animais, pois o homem “é ele o mais imitador e, por imitação, apreende as primeiras noções” (ARISTÓTELES, 2003, p. 107).

        Para o filósofo grego, portanto, inicialmente, as crianças aprendem por imitação, razão pela qual a educação deve começar na infância, pois é desde cedo que se deve moldar o seu caráter. “Aristóteles explica em detalhes como deve ser a educação das crianças para que se tornem habituadas no bem, por conseguinte, futuros homens virtuosos” (SIQUIEROLI, 2018, p. 11). O aprendizado da criança, dos cinco aos sete anos, se realiza por imitação a partir de observações práticas, o que acontece inclusive no lar, pela observância dos hábitos do pai, em razão da afeição natural das crianças e sua disposição para obedecer.

 

A imitação faz parte da natureza do homem que desde a infância observa e segue os passos daqueles que admira; o homem é diferente dos outros animais, na medida em que é extremamente imitativo e faz seus primeiros passos no aprendizado por meio da imitação. Aristóteles reconhece a força da imitação (mimesis) como elemento fundador da vida social e, mais especificamente, como instrumento para viabilizar a educação moral através do ensino e dos bons hábitos (SIQUIEROLI, 2018, p. 16).

 

A Figura do Legislador

     Segundo o filósofo, somente aquele que é capaz de legislar deve contribuir para a educação. A educação é responsabilidade do legislador pois ele é o único capaz de estabelecer leis e princípios gerais. Dentre as funções do legislador, podemos destacar: guiar os cidadãos na prática da virtude; ocupar-se da educação dos jovens; estabelecer leis que promovam uma educação moral ligada à vida política no Estado; tornar a educação um assunto público.

        A educação deve ser exercida pelo Estado, não pela família (Política, 1179b20-21).

 

 

Referências

ARISTÓTELES. Poética. Tradução, prefácio, introdução, comentário e apêndices de Eudoro de Sousa. 7. ed. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2003.

BERRA, Eliane Aparecida. A educação das emoções, do desejo e do prazer na Ética a Nicômacos de Aristóteles. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2018.

ROSSI, Rafael; ROSSI, Aline Santana. Aristóteles e o debate educacional: uma análise a partir da pedagogia histórico-crítica. Colloquium Humanarum, v. 18, p. 183-194, jan./dez., 2021. Acesso em: 26 set. 2022.

SIQUIEROLI, Rosane Rocha Viola. Aristóteles: educação moral e a formação do caráter. Revista Primordium, v. 3, n. 5, p. 1-18, jan./jul., 2018. Acesso em: Out. 2022.

 

 

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